*Dom
Frei Vital Wilderink, O. Carm. In Memoriam
O ser humano tem
uma tendência natural à sua melhor realização.
Neste sentido ele se define pelo desejo, pela esperança. A experiência
nos mostra que essa busca de felicidade descamba frequentemente para um
egoísmo. Numa sociedade de consumo comandada pelo sistema econômico neoliberal,
o individualismo encontra um terreno particularmente propício, cuidadosamente
regado pela mídia. Não faltaram outras pessoas ou correntes que procuraram
abranger sociedades inteiras num vasto movimento de esperança inspirado por
determinadas ideologias, como o comunismo ou vários modelos de nacionalismo.
Mas também nestes casos os quadros da felicidade prometida acabaram
despencando.
A França, na época em que Teresa viveu,
era caracterizada por um ateísmo e virulento anticlericalismo., especialmente
entre as elites intelectuais. Como podia seu ingresso num convento de clausura
ser um gesto de esperança? Não era antes uma fuga, uma evasão egoísta mascarada
por pensamentos piedosos sobre a salvação dos pecadores? Afinal, em que consistia a esperança de
Teresa de Lisieux? Que a justiça de Deus acertasse as contas com os que não
acreditavam nele? Sim, a justiça de Deus
estava na mira da Carmelita porque contempla e adora as suas perfeições divinas através de sua infinita misericórdia:
“a própria justiça (talvez mais do que qualquer outra) se me afigura revestida
de amor”. Não é na situação deplorável
do mundo que ela fixa seu olhar: “meus desejos, minhas esperanças, vão às raias
do infinito”. A esperança da Teresa é
realmente teologal. vai ao seu verdadeiro ponto de apoio. Ela não parte de uma
espécie de pressuposição de que um número de criaturas humanas sofrerá a
condenação eterna, como determinadas interpretações teológicas do mistério da
predestinação apregoavam. Este fatalismo não aparece no vocabulário de Teresa,
permeado pela certeza da gratuidade da infinita misericórdia divina. Para a sua
ousadia temerária não há como não
apostar nesta última.
Aqui aparece, talvez, um traço
característico da visão feminina do mistério de Deus à qual, durante séculos,
foi vedado o acesso ao pensamento teológico elaborado pelos homens. Não é isto
que ela deixa entrever quando constata que Deus é pouco amado na terra ...mesmo
pelos padres e religiosos? Teresa
desejou ser identificada ao Amor. O amor não seria amor se não fosse uma sede
de expansão, de doação. Por isto a
esperança alarga seus horizontes à medida que nos animam os sentimentos de
Cristo (cf. Fl 2,5): “Cristo que morreu por nós quando éramos ainda
pecadores”(Rm 5,8). Já na sua adolescência Teresa, apelando à misericórdia de
Deus revelada na Paixão e Cruz de Jesus, se empenhara na conversão de Pranzini,
cujo processo de condenação pela justiça francesa havia acompanhado através da
imprensa. Foi “meu primeiro filho”, como
ela comentaria mais tarde. Sempre
serviço da misericórdia divina, ela adotará outros pecadores. E quando, na
Festa da Santíssima Trindade, em 1896, se oferece a Deus como vítima do seu
amor misericordioso, ela faz um ato de esperança cega. Ela a justifica dirigindo-se a Deus: “Ó luminoso farol do amor, sei como achegar-me até a ti,
descobri o segredo de apossar-me de tua chama”. Familiarizada com as cartas de Paulo
apóstolo, Teresa escreve: “Não deixava de esperar contra toda esperança”. Certamente, ao citar estas palavras, não
previa o alcance delas quando sua esperança, durante a prolongada provação da
fé, vai estender-se a todos os pecadores. Nesta longa noite Teresa mergulha na
experiência da escuridão daqueles que não acreditam no Céu. Privada
da alegria que lhe era proporcionada pela esperança da proximidade do
Céu, ela compartilhava a condição dos pecadores, unia-se a eles. Mesmo assim
recebe esta provação como um dom pelo qual Cristo a associa à obra da redenção
e à esperança da sua fecundidade: “Senhor, vossa filha compreendeu vossa luz divina. Pede-vos perdão
em lugar de seus irmãos. Pelo tempo que quiserdes, aceita comer o pão da dor, e
da mesa coberta de amargura, onde comem os pobres pecadores, não quer
levantar-se antes do dia que determinardes”.
Teresa se compara
aqui a uma criança na estação ferroviária, esperando seus pais que devem
acomodá-la dentro de trem. Mas eles não chegam, e o trem parte! E ela
acrescenta: “mas haverá outros trens, não perderei todos...”. Teresa não perdeu a esperança. Contudo, esta
esperança ficou como que desativada. Ela doou a sua força para outros, para os
inúmeros outros. Ela se lançou no insondável mistério do Amor de Deus para amar
com esse Amor o mundo.
*Dom
Frei Vital Wilderink, O Carm- Eremita Carmelita- foi vítima de um acidente de
automóvel quando retornava para o Eremitério, “Fonte de Elias”, no alto do Rio
das Pedras, nas montanhas de Lídice, distrito do município de Rio Claro, no
estado do Rio de Janeiro. O acidente ocorreu no dia 11 de junho de 2014. O
sepultamento foi na cidade de Itaguaí/RJ, no dia 12, na Catedral de São
Francisco Xavier, Diocese esta onde ele foi o primeiro Bispo.
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