O
padre Francesco Cosentino, da Diocese de
Catanzaro-Squillace, professor e diretor de retiros e encontros espirituais,
atualmente é membro na Congregação para o Clero e Professor da Pontifícia
Universidade Gregoriana, reflete sobre a 'crise do padre', em artigo publicado
por Settimana News, 02-07-2017. A tradução é de Ramiro
Mincato.
Eis o artigo.
O
ministério sacerdotal perde valor e significado. Atrai cada vez menos. Parece
mover-se com dificuldades, como se estivesse "fora do tempo", isto é,
em um tempo que não é mais o seu. Assim, Padre Armando Matteo fotografou, em seu
site, a "crise do padre", sem muitos rodeios.
Penso que
se deva dar prosseguimento àquelas observações, e tentarei fazê-lo, embora sob
uma ótica um pouco mais otimista do que meu amigo Matteo, enfrentando
algumas questões e abrindo algumas pistas de reflexão.
Qual
identidade?
Para
abordar seriamente a "crise do presbítero", é necessário fazer
referência a questão - tanto debatida, mas sem solução fácil - de sua
identidade. Não se trata apenas de um teórico argumento teológico, mas, pelo
contrário, quando se fala de identidade presbiteral é preciso não se
fixar logo sobre um modelo abstrato, mas sobre a figura do padre, assim
como se configurou na história concreta da comunidade de fé. Ainda mais,
deve-se fazer referência à Palavra de Deus, que representa o horizonte
subjacente dentro do qual devem surgir os critérios do ministério presbiteral.
Se é
verdade que, como afirma o conhecido teólogo Greshake em Essere
preti in questo tempo (Queriniana, 2008), "nos últimos anos o tema do
“padre" tornou-se uma espécie de muro das lamentações, onde tantos
sacerdotes batem com a cabeça, assim como bispos desesperados e também leigos
desorientados", é igualmente verdade que, antes de questionar-se sobre a
crise numérica, o modelo de vida e as atribuições pastorais, é preciso
voltar-se à questão de fundo: o que Jesus realmente queria quando reuniu em
torno a si os apóstolos e os enviou em missão?
Somente
se esta questão for tomada a sério poder-se-á enfrentar a crise, talvez até
descobrindo que ela não é pois tão dramática, não porque não seja real, mas
pelo fato de afetar aspectos provavelmente não tão essenciais ao ministério.
Assim,
como primeira provocação – deixando para depois escavar mais a fundo sobre o
tema, - gostaria de debruçar-me sobre a questão da identidade.
Um olhar
sobre a história
Podemos
recordar suas origens, quando o cristianismo organizou-se em pequenas
comunidades, errantes e nômades, centradas principalmente na evangelização;
mais tarde, como sabemos, as coisas mudaram consideravelmente.
Durante
anos, de fato, talvez séculos, o ministério presbiteral foi se
configurando no interior da nascente cristandade, isto é, daquele processo de
simbiose entre religião, sociedade e cultura, que, se por um lado, favoreceu a
integração e expansão de fé, por outro lado, de alguma maneira, obscureceu a
potência profética do Evangelho, a força da sua fraqueza, a riqueza da sua
pobreza e, em geral, a sua voz "obstinadamente outra" em relação ao
mundo.
O modelo
de Igreja, a simbologia litúrgica, as formas de fé e, não por último, a
própria figura do padre passaram, lentamente, a parecer-se mais ao modelo
do Império Romano do que ao da identidade evangélica. É verdade
que a Igreja tornou-se estrutura fundamental da sociedade, e que
o cristianismo alastrava-se como incêndio, desenvolvendo sua
capacidade de presença e incidência na vida pública; no entanto, é igualmente
verdade que o cristianismo deixou de ser uma resposta pessoal a um
chamado evangélico, para tornar-se um fator natural e cultural; a Igreja mudou
sua forma externa e suas estruturas, e, consequentemente, o ministério
presbiteral também teve que se adequar.
O padre
sobre um “pedestal”, autoridade indiscutível capaz de exercer certo poder
espiritual, mas não só, era um modelo bem integrado com uma sociedade marcada
pela fé religiosa, em que acreditar era algo "normal".
Este é,
para mim, o primeiro motivo sério para a crise atual. Hoje, com o
desenvolvimento moderno da liberdade da pessoa, o crescimento do valor da
democracia, o mundo fortemente marcado pelo secularismo e pelo abandono da fé,
ainda pode reger aquela ideia e aquele modelo de padre que, mesmo
diante das inovadoras indicações do papa Francisco, parece ser o sonho latente
de muitos e a imagem escondida por trás de algumas estratégias pastorais?
Pode-se ainda continuar falando de "serviço", mas com uma convicção
secreta de monarcas absolutos?
Uma crise
provisória?
Talvez,
a crise atual do cristianismo, que força
a Igreja a tornar-se novamente minoritária, poderia ser uma ocasião
profícua: Deus quer seu povo de volta ao deserto e à diáspora, para aliviá-lo
de um sistema imperial e mundano, para destruir um cristianismo que
se tornou um subsistema da sociedade, e permitir-lhe recuperar um espírito
evangélico. Este caminho, profético e corajosamente traçado pelo atual
pontificado, deixa ainda perplexas muitas figuras do clero.
O medo de
abandonar um modelo "seguro", no qual fomos formados e habituados,
por ora vence sobre a coragem de se tentar novas vias. Na paralisia, esquece-se
que a identidade do presbítero está em caminho, está aberta, em
constante evolução.
Não
existe o presbítero "válido de uma vez por todas", mas um
ministro chamado, no concreto da história, feita de rostos, de alegrias e de
lágrimas, em um mundo real que possui coordenadas precisas e dentro das quais,
se realmente se quer incidir, é preciso habitar. Não como um chefe, um
supervisor ou um estranho, mas como um companheiro de estrada. Se tudo muda, me
pergunto também sobre a identidade e o modelo de presbítero: pode-se
continuar parado? Fonte: http://www.ihu.unisinos.br
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