No porão de uma igreja na terça-feira
(15) à noite, Jeanette Vizguerra reuniu seus três filhos menores, colocou o
pijama neles e fez a si mesma o que talvez tenha sido a pergunta mais difícil
de sua vida. Será que ela deveria se apresentar às autoridades da imigração na
manhã de quarta-feira para uma verificação agendada, correndo o risco de ser
deportada?
Ou será que ela deveria permanecer na
igreja, um dos poucos lugares aonde agentes federais não vão, quase que
certamente se resignando a ficar presa no lugar por meses ou anos? "Preciso
pensar esta noite", disse Vizguerra. "Porque prometi a meus filhos -
e foi uma promessa - que seria muito difícil me tirar deste país. Eu já lutei
por tanto tempo para estar aqui; agora não é o momento de desistir".
Essa foi uma semana difícil para
Vizguerra, 45, uma dos milhões de imigrantes ilegais que estão lidando com um
futuro incerto na administração Trump. Depois que ela foi condenada vários anos
atrás por uso de documentos falsos, Vizguerra, que passou 20 anos trabalhando
nos Estados Unidos, recebeu a ordem de deixar o país.
Mas ela se beneficiou de pelo menos
cinco adiamentos de deportação, e em dezembro seu advogado, Hans Meyer, pediu
mais um.
Nada aconteceu. Ela deveria comparecer
ao escritório local da agência federal de imigração (Immigration and Customs
Enforcement, ICE) na quarta-feira, e à medida que o dia foi se aproximando,
Vizguerra percebeu que havia a possibilidade de ser colocada em um avião e
separada de seus três filhos nascidos nos Estados Unidos: Zury, 6, Roberto, 10
e Luna, 12.
A guarda deles recairia para seu marido,
Salvador, 45, que trabalha o dia inteiro como motorista para uma empresa de
revestimentos, e uma filha mais velha, Tania Baez, 26, uma professora de
pré-escola também com três filhos.
Diferentemente de seus irmãos mais
novos, Baez não é cidadã por nascimento, mas ela possui uma permissão de
trabalho obtida através do programa Ação Diferida para Chegadas na Infância da
administração Obama, que o presidente Donald Trump criticou durante a campanha,
mas não tomou a iniciativa de cancelar.
A semana que se passou lançou a família
em um estado de emergência estendida. No dia 5 de fevereiro, Vizguerra convocou
uma reunião de família durante o jantar, proibindo o uso de eletrônicos à mesa
para salientar a gravidade da situação. As gatas da família, Miranda e Zayra,
miavam enquanto ela explicava o plano.
Ela disse que se os agentes aparecessem
em casa nos dias que antecediam a reunião no escritório da ICE, ninguém deveria
atender a porta. Se eles conseguissem entrar, Luna, uma ginasial magricela de
aparelho, deveria usar seu celular para gravar o que acontecesse.
Roberto deveria abrir a lista de
contatos emergenciais em seu telefone e começar a ligar para amigos da família
e advogados. E Zury, a mais nova, deveria ir direto para o quarto de seus pais,
fechar a porta e permanecer lá.
"Eu falei para eles, 'Sei que vai
ser difícil para vocês'", disse Vizguerra. "Quero que vocês sejam
fortes".
Pessoas mostram apoio a Jeanette Vizguerra
do lado de fora do departamento de imigração
Três dias depois, começaram a fazer as
malas, com as crianças enfiando as leggings, as malhas e os xampus da mãe
dentro de valises e caixas. Apavorada com a perspectiva de se separar da
família, Vizguerra começou a considerar se refugiar na igreja da Primeira
Sociedade Unitária em Denver, cujos congregantes chegaram a dar refúgio a outro
imigrante.
Ela lembrou Luna de quais gavetas
pertenciam a qual irmão e lhe disse que seria responsabilidade dela se certificar
de que seus irmãos se vestissem de forma adequada. Ela lhe mostrou onde ficava
guardado o estoque de sabonetes, de escovas e de pasta de dente.
Então Vizguerra abasteceu a geladeira
com pratos prontos para aquecer no micro-ondas, algo que até mesmo uma criança
de 6 anos conseguiria fazer.
Baez, a filha mais velha, começou a
considerar cuidar de mais três crianças.
"Eu entendo totalmente o lado
dele", ela disse a respeito de Trump. "Mas ele cresceu privilegiado.
Ele nunca viveu em pobreza. Ele nunca viveu com medo".
"Eu só acho que se ele visse de
perto a vida de um imigrante", ela acrescentou, "ele mudaria de ideia".
Vizguerra chegou aos Estados Unidos
vinda do México em 1997. Ela trabalhou como zeladora e sindicalista, e depois
veio a abrir uma empresa de mudanças e limpeza. Em 2009, ela foi pega com
documentos falsos de identidade que, segundo seu advogado, ela teria adquirido
para poder trabalhar. Ela se declarou culpada de um delito, desencadeado uma
cadeia de acontecimentos que levou à ordem de deportação. Na região de Denver,
ela é uma conhecida ativista da reforma migratória.
A situação de Vizguerra - primeiro o
governo ordenou que ela saísse do país, depois permitiu que ela ficasse - é um
reflexo das políticas de migração da era Obama, que seus detratores
consideravam confusas e inconsistentes. E mesmo Obama tendo permitido que
algumas pessoas permanecessem no país, ele deportou milhões de outras.
"Estou esperando", disse Tom
Tancredo, um ex-deputado do Colorado e proeminente crítico da imigração ilegal,
"que as 'batidas de Trump' acabem atingindo os números que Obama
arredondou para cima em suas batidas".
Trump acabou com a política da
administração Obama de priorizar os criminosos mais graves para a deportação,
tornando qualquer um que tenha um histórico criminal candidato a uma rápida
deportação. Agora Vizguerra e outros como ela estão preocupados com a possibilidade
de agentes da imigração não lhe darem mais uma permissão.
Na noite de terça-feira, ela dormiu no
porão da igreja junto com seus três filhos mais novos, para evitar o risco de
ser presa em casa. Àquela altura, ela ainda não havia decidido se compareceria
à sua verificação na ICE. "Minha intuição", disse Vizguerra, "me
diz que se eu entrar, não vou sair".
Quando chegou a hora na quarta-feira,
ela decidiu não ir. Depois Meyer, seu advogado, descobriu que o pedido de
Vizguerra para mais um adiamento de sua deportação havia sido indeferido.
Fonte: https://noticias.uol.com.br
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