"Sim, parecerá incrível, mas o salto de
qualidade na investigação virá somente do estudo e análise de algo oficial e
menos leak que se possa imaginar: anuários empoeirados mantidos em
arquivo", escreve Maria Antonietta Calabrò, jornalista, em
artigo publicado por Formiche, 29-02-2016. A tradução é de Ramiro
Mincato.
Eis o artigo.
Sim, é a vingança do jornalismo, o Oscar de
melhor filme para "Spotlight, segredos revelados".
Diria que se trata do ”velho” jornalismo investigativo. Aquele que não se
baseia nos Big Data, ou nos leaks, entregues em pacotes, caixas ou
dossiês, por gargantas profundas, mais ou menos interessadas. Todos a respeito
de jogos de poder, de cordatas internas à Instituição (neste caso, a Igreja de
Boston) objeto da investigação.
Deste ponto de vista, “Spotlight, segredos
revelados” é bastante diferente, inclusive do “Todos os homens do Presidente” (apesar
de lembrá-lo e de alguma forma ser-lhe assoante), a famosa investigação de Bob
Woodward e Carl Bernstein, no Washington Post, que acabou levando à
renúncia o Presidente Richard Nixon.
Diria que é a vingança do jornalismo que conta o
que está sob os olhos de todo mundo. Um jornalismo que parte da “decisão” de
narrar, tomada pelo então diretor do Boston Globe, Martin Baron, um
outsider em Boston, não só porque vinha de fora, de outra cidade e de outro
jornal, mas também porque não era católico.
As ferramentas de investigação descritas tão bem no
filme são verdadeiramente ordinárias. Em nada extraordinárias: entrevistas com
os abusados, com os advogados, mas sobretudo, consultas às assim chamadas
“fontes abertas” (open source), como o estudo dos Anuários da Igreja Católica.
Sim, parecerá incrível, mas o salto de qualidade na
investigação virá somente do estudo e análise de algo oficial e menos leak que
se possa imaginar: anuários empoeirados mantidos em arquivo, de cuja consulta
emergiu, para os jornalistas, uma “regularidade” estatística, a presença de
quase noventa padres, suspensos, retirados por doença ou transferidos de
paróquia em paróquia.
Os padres pedófilos que o então Cardeal Bernard Law não expulsou. E
por isto teve que “deixar” os Estados Unidos, transferido a Roma em 2002,
enquanto seu sucessor, Cardeal Sean O’Malley, não só preside a nova Comissão Pontifícia contra o abuso de menores, mas vendeu
muitos imóveis da Diocese para fazer frente ao ressarcimento das vítimas.
O espectador verá também os documentos judiciais
que contribuíram para um primeiro avanço significativo da investigação do Boston
Globe - obtidos de modo perfeitamente legal: preenchimento de
formulário específico, fotocópias à luz do sol.
Eis que, deste ponto de vista, o Spotlight,
segredos revelados, é verdadeiramente surpreendente. Mostra a
necessidade de trabalho constante, indica a necessidade de investir tempo e
recursos, e de corrigir erros. É o responsável do team do Spotlight, que
se dá conta que já fizera publicar em crônica um pequeno artigo que continha
claramente toda a história. E é ele, um insider, que consegue a confirmação
última do “sistema” de cobertura do escândalo de um outro insider, um expoente
católico de vulto da cidade, sem a qual o diretor não teria batido o enter para
publicação.
Acrescentaria ainda que o filme é a celebração do
jornalismo num País, como os Estados Unidos, onde os jornais não são
simplesmente uma instância de compensação do sistema.
Naturalmente, do ponto de vista do conteúdo, o
filme é “datado”. A investigação do team do Spotlight, que em 2002 ganhou
o prêmio Pulitzer, fotografa uma situação que não é mais a da Igreja
americana, que exatamente em 2002 elaborou as linhas guias para combater o
fenômeno dos abusos e proteger as crianças. Um bom trecho da estrada percorrida
no combate à pedofilia no clero foi levada adiante por Bento XVI. E novos
casos da Austrália (onde a Royal Commission está interrogando, desde
o dia 29 de fevereiro o Cardeal George Pell) ao Chile, a Honduras,
deverão ser enfrentados.
Martin Baron, no entanto, hoje diretor do Washington
Post, escreveu nestes dias: “A verdadeira satisfação virá se o filme conseguir
ter um grande impacto. Impacto sobre o jornalismo, sedutor e diretores
recomeçarão a dedicar-se ao jornalismo investigativo. Impacto sobre os leitores
céticos, porque os cidadãos serão estimulados a reconhecer a necessidade de uma
séria cobertura local e de fortes instituições jornalísticas. E impacto sobre
todos nós, graças a uma maior disponibilidade de escutar as pessoas humildes e
muito frequentemente, sem voz”. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br
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