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quinta-feira, 3 de março de 2016

Em Spotlight vence também jornalismo investigativo


"Sim, parecerá incrível, mas o salto de qualidade na investigação virá somente do estudo e análise de algo oficial e menos leak que se possa imaginar: anuários empoeirados mantidos em arquivo", escreve Maria Antonietta Calabrò, jornalista, em artigo publicado por Formiche, 29-02-2016. A tradução é de Ramiro Mincato.

Eis o artigo.
Sim, é a vingança do jornalismo, o Oscar de melhor filme para "Spotlight, segredos revelados". Diria que se trata do ”velho” jornalismo investigativo. Aquele que não se baseia nos Big Data, ou nos leaks, entregues em pacotes, caixas ou dossiês, por gargantas profundas, mais ou menos interessadas. Todos a respeito de jogos de poder, de cordatas internas à Instituição (neste caso, a Igreja de Boston) objeto da investigação.
Deste ponto de vista, “Spotlight, segredos revelados” é bastante diferente, inclusive do “Todos os homens do Presidente” (apesar de lembrá-lo e de alguma forma ser-lhe assoante), a famosa investigação de Bob Woodward e Carl Bernstein, no Washington Post, que acabou levando à renúncia o Presidente Richard Nixon.
Diria que é a vingança do jornalismo que conta o que está sob os olhos de todo mundo. Um jornalismo que parte da “decisão” de narrar, tomada pelo então diretor do Boston Globe, Martin Baron, um outsider em Boston, não só porque vinha de fora, de outra cidade e de outro jornal, mas também porque não era católico.
As ferramentas de investigação descritas tão bem no filme são verdadeiramente ordinárias. Em nada extraordinárias: entrevistas com os abusados, com os advogados, mas sobretudo, consultas às assim chamadas “fontes abertas” (open source), como o estudo dos Anuários da Igreja Católica.
Sim, parecerá incrível, mas o salto de qualidade na investigação virá somente do estudo e análise de algo oficial e menos leak que se possa imaginar: anuários empoeirados mantidos em arquivo, de cuja consulta emergiu, para os jornalistas, uma “regularidade” estatística, a presença de quase noventa padres, suspensos, retirados por doença ou transferidos de paróquia em paróquia.
Os padres pedófilos que o então Cardeal Bernard Law não expulsou. E por isto teve que “deixar” os Estados Unidos, transferido a Roma em 2002, enquanto seu sucessor, Cardeal Sean O’Malley, não só preside a nova Comissão Pontifícia contra o abuso de menores, mas vendeu muitos imóveis da Diocese para fazer frente ao ressarcimento das vítimas.
O espectador verá também os documentos judiciais que contribuíram para um primeiro avanço significativo da investigação do Boston Globe - obtidos de modo perfeitamente legal: preenchimento de formulário específico, fotocópias à luz do sol.
Eis que, deste ponto de vista, o Spotlight, segredos revelados, é verdadeiramente surpreendente. Mostra a necessidade de trabalho constante, indica a necessidade de investir tempo e recursos, e de corrigir erros. É o responsável do team do Spotlight, que se dá conta que já fizera publicar em crônica um pequeno artigo que continha claramente toda a história. E é ele, um insider, que consegue a confirmação última do “sistema” de cobertura do escândalo de um outro insider, um expoente católico de vulto da cidade, sem a qual o diretor não teria batido o enter para publicação. 
Acrescentaria ainda que o filme é a celebração do jornalismo num País, como os Estados Unidos, onde os jornais não são simplesmente uma instância de compensação do sistema.
Naturalmente, do ponto de vista do conteúdo, o filme é “datado”. A investigação do team do Spotlight, que em 2002 ganhou o prêmio Pulitzer, fotografa uma situação que não é mais a da Igreja americana, que exatamente em 2002 elaborou as linhas guias para combater o fenômeno dos abusos e proteger as crianças. Um bom trecho da estrada percorrida no combate à pedofilia no clero foi levada adiante por Bento XVI. E novos casos da Austrália (onde a Royal Commission está interrogando, desde o dia 29 de fevereiro o Cardeal George Pell) ao Chile, a Honduras, deverão ser enfrentados.

Martin Baron, no entanto, hoje diretor do Washington Post, escreveu nestes dias: “A verdadeira satisfação virá se o filme conseguir ter um grande impacto. Impacto sobre o jornalismo, sedutor e diretores recomeçarão a dedicar-se ao jornalismo investigativo. Impacto sobre os leitores céticos, porque os cidadãos serão estimulados a reconhecer a necessidade de uma séria cobertura local e de fortes instituições jornalísticas. E impacto sobre todos nós, graças a uma maior disponibilidade de escutar as pessoas humildes e muito frequentemente, sem voz”. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br

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