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sábado, 20 de junho de 2015

Parábola da tempestade (12º Domingo do Tempo Comum).

Marcos, ao descrever em seu evangelho o pavor dos discípulos diante da tempestade, estaria com os olhos voltados para o medo dos primeiros cristãos. Conclamava, assim, os destinatários do seu evangelho à confiança.
A reflexão é de Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 12º Domingo do Tempo Comum B (21 de junho de 2015). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara, e José J. Lara.

Eis o texto.
Referências bíblicas:
1ª leitura: «Cessa aqui a arrogância de tuas ondas!» (Jó 38,1.8-11)
Salmo: 106 (107) - R/ Dai graças ao Senhor porque ele é bom, porque eterna é a sua misericórdia!
2ª leitura: «O mundo velho desapareceu. Tudo agora é novo.» (2 Coríntios 5,14-17)
Evangelho: «Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?» (Marcos 4,35-41)

Em confronto com as águas da morte
A 1ª leitura, o Salmo e o Evangelho relatam o conflito imemorial entre o homem e as águas profundas, o mar. Nas primeiras linhas da Bíblia, o abismo é a imagem do nada. Em seguida, temos as águas do dilúvio, imagem da morte. Daí em diante não haverá mais dilúvio: como diz a primeira leitura, Deus impõe um limite às águas mortais. No decurso do Êxodo, a travessia do Mar Vermelho será a travessia da morte. Já o Salmo de hoje está construído no mesmo esquema do evangelho, mesmo havendo somente o elemento líquido. Em Gênesis 1, o sopro de Deus sobrevoa por cima do abismo: é o vento que encontramos em todos os relatos que acabamos de evocar. Há um vento que é bom, que domina o mar, e um vento que é mau, que o agita. Este vento, do mau espírito, parece escapar ao domínio de Deus. Saibamos ler estes símbolos: trata-se de todas as tempestades que vêm sacudir as nossas existências. Os lutos, as doenças, as separações, as traições… Morremos um pouco, a cada vez, porque tudo isso se encaminha no sentido da morte. O evangelho é, pois, uma espécie de parábola sobre a nossa vida. Nós também estamos prestes a atravessar para «a outra margem», para uma terra nova, livre de todas as tempestades. Jesus entra na barca assim como está, sem roupa adequada para o mar e sem provisões. Desprovido de tudo, está reduzido à sua simples humanidade. Não é necessário dizer que temos aqui uma imagem da Páscoa.

O sono de Deus
Deus fixou, portanto, um limite às inundações (1ª leitura), ou seja, a tudo o que temos de sofrer. O difícil é manter a fé enquanto estamos sendo sacudidos pelas tempestades. Nestas ocasiões, Deus parece estar ausente. «Onde está o teu Deus?» é a pergunta que se põe ao crente (Salmo 42, 4 e 11). Nas parábolas evangélicas vemos muitas vezes o dono se ausentar, confiando a seus empregados a gestão dos seus bens. O capítulo 25 de Mateus nos fala da ausência de Deus e da espera. Ora, a espera é justamente o que é difícil: funda-se integralmente na fé, que não se vê, enquanto que a ausência é constatável imediatamente. Em Mateus 28,20, no entanto, Jesus diz que está conosco “até a consumação dos séculos”. São as últimas palavras deste evangelho. No relato da tempestade acalmada, Jesus não está ausente: ele dorme. Dorme, enquanto os discípulos são sacudidos violentamente no pequeno barco. Quantas vezes os Salmos pedem a Deus para acordar! Esta é a nossa condição. Exige uma fé total na presença de Deus, na provação que atravessamos. Deus a compartilha conosco, de qualquer forma; Ele mesmo a vive através de nós. Nada afeta ao homem, nem de bem e nem de mal, que não afete ao mesmo tempo a Deus, a fonte de que brotamos. Nisto se crê, mas não se vê, sobretudo quando a tempestade parece ir até ao naufrágio. Por isso Jesus diz aos discípulos: «Por que tendes medo? Ainda não tendes fé?»

Uma parábola pascal
No evangelho, a tempestade se acalma e a fé renasce. Olhando de perto, é exatamente o que vai acontecer na Páscoa. Os discípulos estão abalados e perturbados; Jesus, desprovido de qualquer poder, é um joguete nas mãos dos poderosos, entregue de um tribunal para o outro. Não tem reação, na maior parte do tempo, nem tem palavras: está «mudo como um cordeiro conduzido ao matadouro.» E Deus, enquanto isso: dorme? É o que parece, pois Jesus, citando o Salmo 22, diz: «Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?» E, no entanto, «entregou a própria vida em suas mãos». A tempestade irá se acalmar. Deus e Jesus irão acordar juntos na hora da ressurreição. Em Cristo e por Cristo, o próprio Deus, de fato, é que foi rejeitado, ridicularizado, reduzido ao silêncio e eliminado da cidade dos homens. Só que, assim como um riacho não pode eliminar a sua fonte, Deus também não pode morrer. Apesar de tudo o que havia deixado acontecer e da aparência de ter estado dormindo durante a tempestade pascal. Ele nos mostrou por meio disso que «o inimigo último», a morte, não tem o poder de reduzir a nada nem a Deus e nem ao homem. Em Jesus, um homem, precisamente, entra na vida de Deus: a promessa do nosso próprio futuro. Ouçamos então Jesus nos dizer: «Por que tendes medo?» Havia dito acima que, assim como na Ressurreição, com o fim da tempestade renasceu a fé. Isto é verdade para a Ressurreição. Mas há uma particularidade para o caso do relato da tempestade acalmada: é apenas uma figura inacabada do gesto pascal. Os discípulos não dizem «Tu és o Filho de Deus», mas «Quem é este…?» Esta pergunta sobre a identidade de Jesus, o primeiro passo na fé, vai estar sempre presente nos evangelhos. A Ressurreição é que irá permitir uma resposta definitiva.

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