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sábado, 18 de abril de 2015

Na Amazônia há 55 anos, padre atende pacientes usando medicina da floresta

Aos 88 anos, o padre e médico autodidata italiano Paolino Baldassari abre seu consultório de segunda a sexta-feira para atender a doentes que lotam a antessala, em Sena Madureira (a 140 km de Rio Branco, no Acre). Um por um, ouve os sintomas, faz perguntas e embrulha os comprimidos dados gratuitamente na receita que escreve com orientações nutricionais e chás. Com experiência de mais de meio século na Amazônia, incluindo 84 malárias e viagens de até seis meses pela mata, o padre Paolino afirma que o gado está destruindo a floresta e que os pobres “hoje são acomodados”.
Estou no Brasil desde 1950. Primeiro, fiquei em São Paulo, onde estudei teologia na PUC por quatro anos. Depois, fui ser professor perto de Araranguá (SC), mas me botaram para fora porque era duro demais. Fiquei um ano. Fizeram uma festa quando saí, porque eu só dava zero, zero, zero.
De lá, fui ser padre na Amazônia. A primeira cidade foi Brasileia (AC). Naquele tempo, era mato, mato. O bispo disse: “Não pense que está na Itália, que o padre tem escritório. Não, não. Lembre-se de que o seu povo está no interior. Portanto, não faça o ninho na cidade”.
Não tinha onde dormir, me botaram na casa do prefeito. Cada família me mandava marmita durante uma semana. Eles preparavam a minha comida e eu, no fim do mês, agradecia. Tinha gente que era muito pobre. Eu dizia que não gostava de galinha, para não matarem a galinha pra mim. Queria comer como a gente comia. Para ser igual.
De Brasileia, vim pra Sena Madureira em 1963, pelo rio. Levei um tempão. Rio Acre, Purus, e depois o rio Iaco.
Por muitos anos, fiz os desobrigas [viagens a seringais, aldeias indígenas e comunidades ribeirinhas para celebrar batismo, casamentos e outras cerimônias]. Fazia ciclos de dois anos. Primeiro, seis meses no rio Purus. Depois, voltava a Sena Madureira por seis meses. Em seguida, mais seis meses no rio Iaco e outros seis meses na cidade e tudo recomeçava.
Eu sofria muito no desobriga. Peguei 84 malárias. Tive muita infecção intestinal.
Sempre que voltava de um desobriga, fazia exame. Pra malária e verme, ganhei o campeonato.

MEDICINA
Na Itália, fiz um cursinho de enfermeiro. Aqui, encontrei uma região pobre, cheia de lepra, malária e febre amarela. Aí, comecei a aprender sobre medicina da floresta e consegui montar um laboratório em Sena Madureira.
No começo, atendia 130 pessoas por dia. Depois, por causa da minha saúde, veio uma ordem de não atender mais de 60. Agora, atendo apenas 20, 25 por dia. Eu não sou médico prático, me deram o título de doutor honoris causa na Universidade Federal do Acre.
Durante as viagens, tive a ideia de fazer escolas. Encontrava algumas pessoas vindas do Nordeste que sabiam ler. Eu dizia: “Você ensina ao menos a ler. Se sabe escrever, ensine a escrever também”.
Foram talvez umas cem escolas, em todo lugar fazia escolas de madeira. Nos rios, nos seringais, nas estradas.
Essas escolas acabaram. Derrubou a mata, acabou a gente. Não é como o seringal. Para derrubar a mata, havia uns 500 peões. Quando acabava a mata, pronto, mandavam todos embora. No seringal, não, alguns tinham mil pessoas. O seringalista é um pai em comparação com os fazendeiros.
Aqui, a madeira e a venda de terras acabaram com a mata. Escrevi para vários presidentes. O primeiro foi o Itamar Franco, suplicando que desse alguma coisa, porque estava um desastre de fome.
Muitos vieram para as margens do rio e plantavam feijão, arroz. Depois, começaram a descobrir o valor do gado. Agora, todo mundo tem gado. Mas com o perigo de destruir a mata. Porque o gado quer mata, mas essa terra não dá para o gado nem para a agricultura. Essa terra é boa por três anos. Depois, é uma terra dura, dura.
A solução? Mecanizar a parte que já está destruída.

AJUDA
O governo fez tudo para os pobres, hoje dá dinheiro para ir para a aula. Infelizmente, o pobre se acomoda. Vive do governo, vive de esmola. Antes, eram escravos e hoje são acomodados. A ideia do Bolsa Família é muito boa, tirou mesmo gente da miséria. Mas, por outro lado, abriu uma porta para a gente não fazer nada. É difícil.
Quando fazia escola, era combatido pelos patrões e pelas autoridades. Agora que tenho quase 89 anos, eles compreenderam que a escola é um marco bom. Por isso, digo: eu me arrependo de ter feito o mal, mas não o bem. Eu fiz o bem.

Fonte: Folha de São Paulo (http://amazonia.org.br).

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