Total de visualizações de página

Seguidores

quinta-feira, 30 de abril de 2015

A Contemplação na história da salvação

RAFAEL CHECA CURI
           
Faz-se mister tomar em consideração que toda experiência de Deus, que toca o homem em particular, realiza-se em uma dúplice dimensão: a espacial, que tem lugar na comunidade ou povo de Deus, e a temporal, que se verifica no âmbito da história da salvação.
            A. contemplação, como suprema experiência de Deus nesta vida, não escapa a esta dupla circunstância.
            A isto se deve que a história da salvação, desde seus começos até a sua consumação, desde o pecado até a justificação, é a realização, a nível comunitário desta outra história, a nível pessoal, que se verifica em cada um dos salvados.
            Eu encontro um paralelo iluminador entre o itinerário percorrido pelo contemplativo, desde o pecado até a união divina e a trajetória percorrida pelo povo israelita, desde a escravidão do Egito até a terra prometida.
            Efetivamente, alguns místicos encontraram na história da libertação de Israel da escravidão do Egito, como narra o Êxodo, até a entrada na terra prometida (Jos. 24), uma figura de sua experiência pessoal, e quiseram expressá-lo assim, ao tentar traduzi-la. Bastaria citar são João da Cruz cujas obras se situam dentro de um paralelo com a seqüência da história da salvação. O díptico Subida - Noite, o Cântico Espiritual e a Chama, parecem seguir este processo por etapas.
            A saída do Egito, de noite, sem que disso se apercebessem os egípcios; mortos os primogênitos (Ex. 12) e a passagem do Mar Vermelho (Ex. 14), parece encontrarem seu correspondente na Subida-Noite, que exige ruptura, desprendimento, morte de apetites e de afeições desordenadas, obscuridade-noite de sentidos e de espírito.
            A etapa do deserto caracteriza-se pela aridez, pela secura, pela aparente limitação, pela infertilidade, exige austeridade, fé e confiança em Yahvé. Nela se faz presente o Deus do povo escolhido na nuvem, na coluna de fogo (Ex. 13, 21), no maná, na água e na presença da arca. Encontra, de certo modo, uma correspondência no processo do Cântico Espiritual, onde a alma em busca de Deus, o encontra nas mediações: caminha em fé, em esperança, em amor, segura somente na palavra de seu Amado.
            O deserto, caminho da terra prometida, é também aliança e compromisso de amor e de fidelidade de Yavé (Ex. 19, 1-6). A ação de Deus sobre seu povo centra-se em um homem representativo, Moisés. A este o convida para entrar na sua intimidade, para falar com Ele (Ex. 19, 9-16), manifesta-lhe sua glória e chama-o por seu nome. (Ex. 24, 36).
            As últimas estrofes do Cântico e da Chama de amor viva correm de parelha com o momento culminante da manifestação da glória de Yavé, quando ele mesmo promete a Moisés, que se lhe fará presente, sem que possa, porém, ver a sua face. (Ex. 33, 18-23).

            A terra prometida é o ponto final da trajetória (Jos. 24). Moisés não consegue vê-lo nesta vida, como também não o consegue o homem. Depois da união transformante e do matrimônio espiritual, tem que se descerrar o véu da eternidade da glória, onde a contemplação já se não dá em fé e esperança, porém, em luz e amor consumado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário