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segunda-feira, 2 de março de 2015

Frei Bruno Secondin: Entrevista.


“O Papa quer proporcionar uma nova ‘alma’ a todo o sistema curial”. Entrevista com Bruno Secondin

O religioso carmelita Bruno Secondin (na foto, à esquerda) acaba de pregar os Exercícios Espirituais ao Papa e à cúria. Com um método novo e centrado na extraordinária figura do profeta Elias. Acredita que foi uma “graça” para ele, que se sentiu como “entre irmãos”. O Papa lhe agradeceu por seu trabalho: “Você conseguiu semear”. O carmelita semeador também acredita que a Igreja precisa mudar a sua linguagem e que o Papa “quer proporcionar uma nova alma a todo o sistema curial”. A entrevista é de José Manuel Vidal e publicada no sítio espanhol Religión Digital, 27-02-2015. A tradução é de André Langer.

Eis a entrevista.

Impõe respeito pregar os Exercícios Espirituais ao Papa e à cúria?
É uma bela tradição que o Papa e a cúria façam os Exercícios Espirituais juntos. Até o Pontificado do Papa Bento XVI eram feitos no Vaticano e, para as meditações reuniam-se na Capela Redemptoris Mater. Mas eram mais conferências que meditações e, habitualmente, alguns meses depois, era publicado o livro com o texto completo das meditações. Não era tão fácil obter um clima de silêncio e de oração, como se requer nos Exercícios Espirituais.
O Papa Francisco pensou, ao contrário, que faria bem à cúria uma autêntica experiência dos Exercícios, fora do Vaticano, em um clima de silêncio e de oração, no clássico estilo inaciano. Por isso, foi escolhida uma casa de espiritualidade (em Ariccia, perto de Castel Gandolfo, a 30 quilômetros de Roma), onde estiveram todos juntos, o Papa, os cardeais e os bispos. O lugar é bonito e espaçoso e, inclusive, pode-se garantir a segurança.
Desta forma, o evento converte-se em um exemplo para todos: também a cúria leva a sério esta atividade espiritual. Eu não me senti como o diretor que tudo controla, mas como um irmão a mais (tenho 75 anos), um fiel a caminho com minhas fragilidades e minha paixão pelo Senhor. Procurei compartilhar com eles o amor à Palavra e o desejo de uma Igreja que não dorme, mas que se deixa guiar pelo “Espírito criador, que fala pelos profetas”, como dizemos no Credo.

Qual foi o tema central dos Exercícios e suas ideais chaves?
O título geral foi ‘Servidores e profetas do Deus vivo’. E o subtítulo: ‘Uma leitura pastoral e sapiencial do profeta Elias’. Segui o método da lectio divina, ao qual me dedico há muitos anos e no qual tenho ampla experiência, precisamente na igreja que se encontra ao lado do Vaticano.
A figura de Elias adapta-se muito bem à realidade atual: é um profeta sempre a caminho, sob o impulso da Palavra. E tem que enfrentar problemas semelhantes aos nossos: a busca do sentido na vida, o fundamentalismo, o diálogo inter-religioso, o fracasso pessoal, a solidariedade, a instrumentalização de Deus, a intercessão, a defesa do pobre, o sofrimento sem sentido, etc. Pode-se dizer que até mesmo a geografia na qual Elias vive tem um sentido sugestivo. Ele está sempre na saída para as fronteiras (inclusive os lugares mais distantes, como Sarepta e o Monte Horeb), até o final da sua vida, quando desaparece no meio do fogo no outro lado do Jordão.

Por que não fez referência a um tema carmelitano, como seria normal neste ano do centenário de nascimento de Santa Teresa?
Pensei também neste tema, que teria encaixado perfeitamente comigo e com este ano. Mas depois optei em ir às grandes cenas do profeta Elias e utilizá-lo seguindo uma ‘progressão’, que vai da busca da autenticidade à liberdade interior e à cura, à descoberta de um Deus diferente, ao caminho da justiça, da solidariedade e da intercessão, para desembocar na profecia da fraternidade.
Os membros da cúria têm experiências culturais e espirituais tão diferentes que não é fácil juntá-las. Pareceu-me que Elias se adaptava perfeitamente, dada a sua importância bíblica e a originalidade de suas experiências. Além disso, sinto profundamente o desejo de que, na Igreja, a Palavra ocupe realmente o centro e seja a fonte da espiritualidade.

A Santa de Ávila falava de seguidores de Jesus “chagados”, algo que conecta bem com a ideia de Francisco de converter a Igreja em um hospital de campanha.
Você tem razão. Mas também Elias se encontrava com situações catastróficas e com emergências imprevistas. Para a Igreja de hoje, medir-se com este grande profeta pode ser uma ocasião de inspiração de cara com uma nova criatividade. Tenha presente que quando o Papa Francisco fala de ‘hospital de campanha’ não quer referir-se ao campo, mas às batalhas e às guerras, onde se montam precisamente os ‘hospitais de campanha’, isto é, lugares improvisados e ambulantes. Elias encontra-se em situações inesperadas, tanto de sofrimento como de iniquidades, isto é, com extraordinárias experiências de Deus.

A espiritualidade está na moda. Isso é um benefício ou um problema?
Hoje, a espiritualidade está na moda, mas em meio a uma situação de profunda confusão. Muito do que se chama ‘espiritualidade’ é apenas marketing, sem dignidade nem seriedade. Devemos estudar profundamente a inquietação que aninha por debaixo deste fenômeno, mas, ao mesmo tempo, reconhecer que a espiritualidade está sendo repensada profunda e seriamente. Eu mesmo tentei fazê-lo nos livros que escrevi durante todos estes anos. O último que escrevi aborda, precisamente, esta moda da espiritualidade e oferece critérios de discernimento. Abordo também temas novos como o corpo, o tempo, a cultura digital, os novos modelos de mística e a crise atual. Intitula-se ‘Inquietos desejos de espiritualidade. Experiências, linguagens e estilos’ (Bolonha, Ed. Dehoniana, 2012), com prólogo do cardeal Ravasi.

Há uma nova forma de entender a santidade?
Os velhos modelos de santidade seguem tendo ainda espaço e suscitando atenção, sobretudo através das numerosas beatificações e canonizações de pessoas que viveram em outro universo cultural e em outro modelo de Igreja. Mas não suscitam interesse no empenho de seguir este caminho... Devemos repensar profundamente estes modelos, acolhendo novos percursos guiados pelo Espírito, que segue operando com muita criatividade.
Devemos mudar inclusive o léxico. Por exemplo, fala-se de virtudes ‘heróicas’, um termo que não evoca a linguagem bíblica, mas a linguagem mítica helenística. Jesus não foi um ‘herói’, assim como nem Maria nem os apóstolos. Foram ‘zaddiq’, ou seja, justos e pios, termos bíblicos que indicam coisas diferentes das de herói, que exalta inclusive o esforço pessoal, a unicidade isolada, o superman. E desta santidade comum e normal há muitos exemplos entre nós, algo que o Papa Francisco recorda com frequência.

Como traduzir na linguagem atual os ‘pecados capitais’?
Você coloca, precisamente, um dos problemas (junto com muitos outros) da linguagem moral e espiritual. Necessitamos, primeiro, desconstruir a linguagem; do contrário, ninguém entende nada. Necessitamos fazer um novo exercício de criatividade linguística e simbólica. Vivemos repetindo velhas antropologias com o uso de termos que já quase ninguém entende. O Papa Francisco está ajudando a Igreja a mudar a linguagem. Ele mesmo inventa palavras novas, como doenças curiais, alzheimer espiritual, etc. E não ajuda apenas com suas palavras, mas também com seus gestos, com seu estilo, com suas visitas, com seus abraços... muitas coisas se tornam novas.

Qual é o segredo, na sua opinião, da sedução que Francisco exerce sobre as pessoas?
O Papa Francisco descobriu o sentir profundo das pessoas. As pessoas necessitam de alento e de esperança, humanidade sem formalismos, uma sacralidade direta e espontânea, austeridade sem farisaísmo, ternura e misericórdia. E as pessoas encontram tudo isso em Francisco, oferecido com naturalidade e espontaneidade, com esse carinho latino-americano que nos falta na Europa. É incrível como as pessoas gostam do Papa. E não apenas os fiéis, mas todos, inclusive pessoas de outras religiões ou ateias. Cuidado em tocar no Papa Francisco!

Por que suas reformas estão encontrando tantas resistências?
Não sei se é verdade que há tantas resistências. Às vezes, vocês, os jornalistas, destacam os contrastes com cores muito vivas (preto e branco). A reforma da cúria é uma tarefa gigantesca. A situação não é fruto da última década, mas de séculos de sabedoria e de reformas, de adaptações e de tentativas, de correções e de esquemas jurídicos. Tudo isso forma uma espécie de ecossistema. Por isso, qualquer mudança gera dificuldades, não tanto pela oposição, mas porque tem repercussões complexas e em rede. O Papa Francisco sabe disso. Está claro que não lhe falta capacidade estratégica. Mas necessita também de tempo e equilíbrio. Não pode inventar de um dia para o outro os colaboradores à sua imagem e semelhança. Por isso, quer proceder com diálogo, com discernimento, passo a passo e com respeito. Sua preocupação consiste antes em proporcionar uma nova ‘alma’ a todo o sistema. E ele é o primeiro a viver este novo ‘estilo’, com audácia e liberdade, algo que salta aos olhos. Porque seu próprio estilo é uma força ‘reformadora’ que não deve ser subestimada.

O Papa Francisco pode estar em perigo?
Não exageremos! As pessoas querem muitíssimo o Papa Francisco. É evidente que pode surgir um fanático a qualquer momento. Ninguém pode estar absolutamente seguro, nem sequer qualquer um de nós. Mas creio que a segurança cumpre o seu papel e o Papa não se preocupa com isso. Uma vez disse aos jornalistas, brincando: “Na minha idade, eu não teria muito a perder”. Esta serenidade agrada às pessoas, ajuda-as a não viver num clima de terror e confiar um pouco mais em Deus. E, além disso, há muitas pessoas que rezam por ele, com amor sincero e não por obrigação.

Uma última pergunta, Pe. Secondin: o que pode nos dizer sobre a experiência vivida nestes dias em Ariccia?
Foi uma experiência realmente excepcional, como qualquer um pode entender. Um clima de silêncio e de oração. Uma oração bem preparada e bem feita, com uma presença séria de todos os mais de 80 participantes. Senti, sobretudo no começo, uma emoção natural. Coisas assim não se vive todos os dias. Depois, o novo método, o insólito tema e, inclusive o ambiente tão diferente daquele do Vaticano, pesaram muito. Sentimo-nos todos muito bem. Pude falar inclusive confidencialmente com alguns participantes, inclusive o Papa Francisco. Trago muitos coisas no coração. Foi uma graça que espero que produza frutos bons também em mim.

            

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