Analisando as 41 nomeações episcopais
para o Brasil, podem significar "a continuidade do “espírito
wojtyliano-ratzingeriano”: pouca preocupação pastoral-missionária de uma
“Igreja acidentada” e mais a preocupação com as dimensões administrativa,
disciplinar e moral típicas de uma “Igreja autorreferencial”, constata Sérgio
Ricardo Coutinho, professor de História da Igreja no Instituto São Boaventura
de Brasília e de “Serviço Social, Religião e Movimentos Sociais” no curso de
Serviço Social do Centro Universitário IESB de Brasília.
Segundo ele, "se tomarmos as
indicações do Papa Francisco aos bispos do CELAM, durante encontro realizado no
último dia da Jornada Mundial da Juventude de 2013, parece que, com estas
nomeações-remoções, o lugar do Bispo continua o mesmo de sempre: “à frente”,
com sua “psicologia de príncipe” e fortalecendo o fenômeno do “bispo-polígamo”
(termo usado pelo Papa Francisco), ou seja, vivendo na expectativa de ser
esposo de “outra Igreja”. Sem dúvida que já existem alguns destes que se
colocaram ou que querem se colocar “no meio” do seu povo “para mantê-lo unido e
neutralizar as debandadas”, mas levará ainda algum tempo para que se coloquem
também, e fundamentalmente, “atrás” “porque o próprio rebanho tem seu faro para
encontrar novos caminhos”.
Eis
o artigo.
No momento em que o Papa Francisco
realiza um novo Consistório com a nomeação de 16 novos cardeais com direito a
voto e que procura mudar e universalizar radicalmente a configuração da
geopolítica eclesiástica da Cúria Romana, talvez já seria o momento de
verificarmos qual é o rosto dos novos bispos nomeados, e também a configuração
geopolítica eclesiástica, da Igreja no Brasil nestes quase dois anos de
pontificado.
Desde maio de 2013, até o mês de janeiro
deste ano, Papa Francisco fez 41 novas nomeações episcopais para o Brasil,
sendo que 85% delas (36) foram de remoções (seja de uma diocese para outra,
seja da condição de bispo-auxiliar ou prelado nullius para a condição de [arce]bispo
titular da diocese).
Dos 17 novos bispos ordenados, 9 foram
nomeados para as grandes Arquidioceses do Brasil na condição de
bispos-auxiliares, atendendo, assim, aos pedidos dos arcebispos de São Paulo,
Salvador, Olinda e Recife, Belém do Pará, Brasília e Goiânia. Só para a
Arquidiocese de São Paulo foram nomeados 4 novos bispos-auxiliares, revelando
bem a influência do cardeal D. Odilo Scherer.
Os 36 remanejados, em sua grande
maioria, foram feitos bispos por Bento XVI durante o período de D. Lourenzo
Baldissieri como Núncio Apostólico, e agora cardeal e secretário-geral do
Sínodo dos Bispos. Talvez esteja aqui um sinal da velha e boa estratégia do
mote: “plus ça change, plus c’est la même chose” (“mais que se mude, mais as
coisas continuam as mesmas”). Isto pode significar a continuidade do “espírito
wojtyliano-ratzingeriano”: pouca preocupação pastoral-missionária de uma
“Igreja acidentada” e mais a preocupação com as dimensões administrativa,
disciplinar e moral típicas de uma “Igreja autorreferencial”.
Então vejamos. Destes remanejamentos,
alguns chamam atenção para uma espécie de “promoção”, ou seja, saindo de
dioceses “pouco significantes” para uma (arqui)diocese de maior tradição e
valor simbólico-político.
Por exemplo, as nomeações de D. Jaime
Spengler, OFM para a Arquidiocese de Porto Alegre (deixando de ser
bispo-auxiliar); de D. José Valmor César de Bom Jesus da Lapa (BA) para São
José dos Campos (SP), ou seja, do “sertão” da Bahia para a “Via Dutra”; de D.
Edmilson Amador Caetano, O. Cist. de Barretos (SP) para Guarulhos (SP), da
terra do “pião-boiadeiro” para a terra do “pião-operário”; de D. Fernando José
Monteiro Guimarães de Garanhuns (PE) para o Ordinariato Militar (Brasília), da
“diocese” de Lula para a “diocese” dos Militares.
Além deles, também D. José Luiz Majella
Delgado de Jataí (GO) para a Arquidiocese de Pouso Alegre (MG); de D. Zanoni
Demettino Castro de São Mateus (ES) para coadjutor da Arquidiocese de Feira de
Santana (BA); de D. João José da Costa de Iguatu (CE) para coadjutor da
Arquidiocese de Aracajú (SE) e de D. José Antonio Peruzzo de Palmas-Francisco
Beltrão (PR) para a Arquidiocese de Curitiba (PR).
O Regional da CNBB que mais se
privilegiou das nomeações (remanejamentos) foi o Sul 1 (que corresponde ao
Estado de São Paulo), maior “colégio eleitoral-episcopal” do Brasil e que
sempre tem um peso importantíssimo quando das eleições para a Presidência e
Comissões Pastorais da CNBB. Só para dentro deste Regional foram conduzidos 13
dos 14 nomeados (somente D. Fernando Brochini saiu de Jaboticabal e foi
transferido para Itumbiara-GO).
Geograficamente, continua a concentração
Centro-Sul com 26 nomeações, enquanto Norte e Nordeste tiveram 10. Depois do
Sul 1, foram os Regionais Centro-Oeste (Brasília e Goiás), com 6 nomeações, e
Nordeste 3 (Bahia e Sergipe), com 4 nomeações, respectivamente, que mais foram
contemplados. No NE 3 há um caso de remoção, a partir de informações
levantadas, feita por pressão dos fiéis diocesanos devido à suspeitas de mal
comportamento moral de seu bispo.
Apesar disso, algumas destas parecem ser
interessantes no sentido de fortalecer ou de manter opções pastorais
importantes. Este é o caso, a nosso ver, da diocese de Chapecó (SC). A saída de
D. Manoel João Francisco (atual presidente do CONIC) para Cornélio Procópio
(PR) pode ajudar muito o Regional Sul 2 (Paraná), que irá acolher o 14º
Intereclesial das CEBs em Londrina, no fortalecimento de uma caminhada
ecumênica e de participação dos leigos nas bases dentro de uma perspectiva
bergogliana (“periferias existenciais”). Por outro lado, a chegada à Chapecó de
D. Odelir José Magri, vindo de Sobral (CE), pode dar continuidade e fortalecer
ainda mais a caminhada já feita nos últimos anos.
O
perfil pastoral dos 17 novos bispos é o seguinte:
a)
Clero: diocesano: 8; religioso: 9;
b)
Famílias Religiosas:
Opus Dei (2), Josefinos (2),
Franciscanos (1), Missionários do Sagrado Coração (1), Congregação da Missão
(1), Oblatos (1) e Congregação da Santa Cruz (1);
c) Formação Teológica predominante:
Direito Canônico (5), Teologia
Espiritual (3) e Dogmática (2);
d)
Atividades Pastorais predominantes antes da nomeação:
Formador/Reitor/Provincial/Diretor
Espiritual (11), Párocos (9), Coordenação de Pastoral/Vigário Geral (5), Ação
Social [Fazenda Esperança e Cáritas] (2) e Cúria Romana [Conselho para os
Textos Legislativos] (1).
e)
Geografia: Centro-Sul: 10; Norte-Nordeste: 7.
Apesar da diversidade das famílias
religiosas de cunho missionário, podendo indicar assim um princípio para uma
“Igreja em saída”, o que se pode ver é a força de uma “pastoral de conservação”
que tanto a Conferência e o Documento de Aparecida alertavam para a sua
superação se se queria, de fato, uma “conversão pastoral”. A formação
predominantemente em Direito Canônico e Dogmática, mais a experiência
burocrático-administrativa em funções diretivas, onde a “virtude da obediência”
é a atitude mais praticada, são sinais evidentes de continuísmos.
Além disso, a presença de 3
bispos-auxiliares (São Paulo, Brasília e Goiânia) vinculados efetivamente (e
afetivamente) com o Opus Dei (o auxiliar de Brasília, D. José Aparecido
Gonçalves de Almeida fez sua Pós-graduação em Direito Canônico na Universidade
Santa Cruz de Roma, dirigida pela Opus Dei) seria mais um indício desta
tendência.
Por outro lado, podemos também enxergar
algumas possibilidades interessantes e inovadoras para um possível “efeito
Francisco”: D. Irineu Roman, josefino, nomeado bispo-auxiliar de Belém, um
pároco de “periferia” e com “cheiro de ovelhas”; D. Ailton Menegussi, formado
em território de CEBs de São Mateus (ES), indo para a Crateús (CE) do saudoso
D. Antônio Fragoso; D. Onécimo Alberton, foi Coordenador de Pastoral,
presidente da Cáritas de Criciúma (SC) e com forte sensibilidade social nomeado
para a diocese de Rio do Sul (SC); e do franciscano D. João Inácio Müller
nomeado para Lorena (SP), território da Canção Nova, onde estava o conservador
D. Benedito Beni dos Santos.
Se tomarmos as indicações do Papa
Francisco aos bispos do CELAM, durante encontro realizado no último dia da
Jornada Mundial da Juventude de 2013, parece que, com estas nomeações-remoções,
o lugar do Bispo continua o mesmo de sempre: “à frente”, com sua “psicologia de
príncipe” e fortalecendo o fenômeno do “bispo-polígamo” (termo usado pelo Papa
Francisco), ou seja, vivendo na expectativa de ser esposo de “outra Igreja”.
Sem dúvida que já existem alguns destes que se colocaram ou que querem se
colocar “no meio” do seu povo “para mantê-lo unido e neutralizar as
debandadas”, mas levará ainda algum tempo para que se coloquem também, e
fundamentalmente, “atrás” “porque o próprio rebanho tem seu faro para encontrar
novos caminhos”.
Não sabemos se o atual Núncio Apostólico
no Brasil, D. Giovanni D’Aniello, está a par deste critério eclesiológico de
Francisco. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br
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