Romero é
mártir. Foi morto in odium fidei. João
Paulo II já repetia isso com voz flébil em novembro de 2003, falando com
alguns bispos salvadorenhos que foram a Roma em visita ad limina. Também atestaram nessa
quinta-feira, com voto unânime, os membros do Congresso dos
Teólogos da Congregação para as Causas dos Santos, reconhecendo o martírio formal e material do arcebispo, morto no
altar enquanto celebrava a missa no dia 24 de março de 1980.
A reportagem
é de Gianni Valente, publicada no sítioVatican Insider, 09-01-2015. A
tradução é de Moisés Sbardelotto.
A revelação é
de Stefania Falasca no jornal Avvenire, acrescentando que
"agora, segundo a práxis canônica, só resta o juízo do Congresso dos
Bispos e dos Cardeais e, enfim, a aprovação do papa para a conclusão do
processo que o levará em breve à beatificação".
Percorrendo
todos os passos do processo, a autora do artigo ressalta que o pronunciamento
sobre o martírio de Romero"certamente marca o ápice de uma causa
conturbada", em que acusações e as tentativas de frear ou de encobrir o
caminho do bispo mártir rumo à beatificação muitas vezes haviam se revestido de
argumentações teológicas e doutrinais.
Por isso, o
pronunciamento dos teólogos que colaboram com o dicastério vaticano para os
Santos e parece dirimente e crucial, bem mais do que o próximo – e evidente – nihil
obstat dos bispos e dos cardeais membros da própria Congregação.
O
reconhecimento do martírio de Romero confirma de maneira definitiva
que o arcebispo salvadorenho foi morto in odium fidei. O que
impulsionou os executores não foi a simples ânsia de matar um inimigo político,
mas o ódio desencadeado pelo amor pela justiça e pela predileção dos pobres que Romero manifestava
como reverberação direta da sua fé em Cristo e da sua fidelidade ao magistério
da Igreja.
No delírio
sangrento que martirizava El Salvador naqueles anos atrozes, Romero foi
o bom pastor disposto a oferecer a vida para seguir a predileção pelos pobres
própria do Evangelho. A fé – reconheceram os teólogos do dicastério vaticano –
era a fonte da sua obra, das palavras que ele pronunciava e dos gestos que ele
fazia no contexto conturbado em que ele era chamado a agir e a viver como
arcebispo.
O
pronunciamento dos teólogos da Congregação limpam décadas de operações voltadas
a propagandear uma interpretação apenas política da eliminação de Romero.
O reconhecimento do seu martírio in odium fidei confirma que,
no El Salvador dos esquadrões da morte e da guerra civil, a Igreja
sofria uma perseguição feroz por parte de pessoas que, ao menos
sociologicamente, eram cristãs.
O
desencadeamento do ódio que o matou era cultivado e compartilhado também por
setores da oligarquia, acostumados a ir à missa ou a fazer ofertas e doações
para as instituições eclesiásticas. Incluindo as associações das chamadas
"mulheres católicas" que publicavam nos jornais acusações e maldades
fabricadas artisticamente contra ele.
O nihil
obstat dos teólogos também dissipa a cortina de fumaça de insinuações
montadas artisticamente para creditar a fábula do Romero pró-guerrilheiro,
agitador político, influenciado e subjugado pelo marxismo. O processo para a
causa de beatificação – cujo postulador é o arcebispo Vincenzo Paglia –
verificou com autoridade e definitivamente aquilo que sempre repetiam todos os
amigos do bispo mártir: Romero – como escreveu o professor Roberto
Morozzo della Rocca– era um "sacerdote e bispo romano, obediente à Igreja
e ao Evangelho através da Tradição", chamado a desempenhar o seu
ministério de pastor "naquele Ocidente extremo e abalado que era a América
Latina daqueles anos", onde as forças militares e os esquadrões da morte
reprimiam ferozmente um povo inteiro em nome da oligarquia. Onde os sacerdotes
e os catequistas eram mortos e, no campo, tornava-se perigoso possuir um
Evangelho. Onde bastava pedir justiça para ser tachado de comunista subversivo.
Onde a Igreja era perseguida porque se isentava do papel de braço espiritual do
poder oligárquico.
No entanto,
por anos, depois do ano 2000, a causa de Romero permaneceu parada,
com a motivação de que todas as homilias e os escritos do bispo salvadorenho deviam
ser submetidos a exame pela Congregação para a Doutrina da Fé, para
verificar a sua ortodoxia. Naqueles anos, que assumiu um papel preponderante na
gestão do dossiê Romero – e que pressionou para que a causa não
seguisse em frente – foi particularmente o cardeal colombiano Alfonso
López Trujillo, naquele tempo influente consultor do ex-Santo Ofício, falecido
em 2008.
Naquele
momento, chegaram à Congregação para as Causas dos Santos disposições
orientadas no sentido do adiamento. Segundo alguns setores, levar Romero à
honra dos altares equivalia a beatificar a Teologia da Libertaçãoou até
mesmo os movimentos populares de inspiração marxista e as guerrilhas
revolucionárias dos anos 1970. Por isso, de acordo com alguns, as motivações do
martírio in odium fidei não podiam ser aplicadas ao seu caso,
enquanto haviam servido para levar à honra dos altares, em 2010, Jerzy Popieluszko, o sacerdote de 37 anos assassinado
em 1984 por um comando dos serviços de segurança da Polônia comunista.
Agora, parece
ter chegado o momento também de Oscar Arnulfo Romero. Só resta esperar. E
não será preciso esperar muito, se levarmos em conta que, para a beatificação
dos mártires, não é necessária a confirmação canônica de um milagre realizado
pela sua intercessão.
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br
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