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quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

CONFERÊNCIA DE MEDELLÍN: Meditando 30 anos depois...

*Dom Frei Vital Wilderink, O. Carm. In Memoriam


Estamos em 1998. Decorreram  trinta anos desde o dia que encerrei as minhas anotações feitas durante a Conferência de Medellín. Relendo as 42 páginas do "diário", percebo as suas limitações. A atenção se voltava mais para os atores da Conferência que para as correntes teológicas e pastorais nela presentes, embora estas não deixem de aparecer.
Terminei minhas observações e comentários  de maneira meio abrupta, sem conclusão. Não me lembro mais se naquela época eu intencionava  prosseguir, no mesmo caderno, as minhas reflexões.  Certo é que reflexões posteriores não faltaram por ocasião de encontros, cursos. Ainda no início dos anos 70 fui convidado por Dom Hermínio Malzone Hugo a falar sobre Medellín para os padres da Diocese de Governador Valadares. Nessas ocasiões ficava surpreso com o desconhecimento dos ouvintes do significado de Medellín. Ao mesmo tempo,   em muitos lugares, reconhecia na prática pastoral  a inspiração da Conferência. Influência, creio eu, indireta através das Diretrizes da CNBB e da CRB. Fato é que Medellín é mais  questão de espírito do que documento. Em Medellín , depois de uma longa gestação,  nasceu a Igreja  latino-americana  como latino-americana. Não sei se todos os presentes naquela "maternidade" gostaram da sua aparência. Certo é que o parto inspirava preocupação e o choro da recém-nascida incomodava.
Não foi de propósito que encerrei o "diário" de Medellín com o resultado de uma votação:  Placet 50, Non placet 56. Posições contrárias estão sempre presentes. Determinam o resultado das assembléias de qualquer tipo que acontecem na Igreja. A própria história da Igreja é tecida de placet e non placet, mudos ou pronunciados. É  difícil identificar nesse jogo a ação do Espírito Santo. A pergunta é: quais as razões que explicam determinadas posições?  Existe um leque de respostas mais imediatas: convicções, conveniências, condicionamentos, visões profundas ou superficiais, etc. Depois existem as utopias, objetivos que queremos alcançar. Confesso que não sou muito adepto de utopias. Peço que eu seja mantido na esperança da grande festa que Deus preparou para todos, mas que não sei descrever. Nas utopias há  uma tendência de reduzir tudo a uma única unidade racional. Talvez seja por influência da modernidade. Há utopias que geram formas de totalitarismo. E quando constatada a sua inviabilidade podem provocar cinismo.  Por isto é bom lembrar que ninguém oferece soluções cabais para uma situação coletiva que exige mudanças. Mudanças pedem paciência e atenção à fragilidade com que são realizadas. É verdade que sempre existe o perigo de fazer cair certos problemas reais no esquecimento. Quem vai dizer que isto não tenha acontecido depois de Medellín?
Os placet e non placet, mesmo quando inspirados por visão utópica, negam na realidade a viabilidade da utopia. Nem na Igreja  existe um só projeto harmonioso  que coloca todas as idéias em sintonia. O que existe são idéias fortes que provocam outras idéias em oposição. Quando há uma insistência na teologia da criação, surge no outro prato da balança a idéia da fé na necessidade da redenção. A idéia da libertação provocou a idéia da reconciliação. Em ambas deve ser reconhecível o absoluto do amor e do respeito à pessoa humana. As descobertas das exigências cristãs ou simplesmente éticas são feitas a partir desse dado básico, mas podem variar nas suas traduções concretas. No entanto, neste processo de descobertas e crescimento sempre se vislumbra  algo que escapa às nossas realizações políticas concretas. Vamos chamá-lo de sagrado, de gratuito. Pode acontecer que ele se anuncie no silêncio de gente simples diante dos nossos discursos. Silêncio que muitas vezes é qualificado como indolência.
Na gratuidade existe sempre algo de paradoxal. Incomoda e faz explodir as nossas categorias. Quem perde de vista a precariedade dos nossos consensos e realizações,  dificilmente poderá aceitar o mistério da encarnação. Lembro ter lido em algum livro, anos atrás, que Jesus anunciava a utopia do Reino de Deus. Mas este Reino não é uma utopia. Jesus afirmava que o Reino estava no meio de nós, como um grão  de mostarda. E manifestava a presença desse Reino, não através de um plano social global, mas nos seus próprios gestos. Ele dava sinais que pediam, sem dúvida, atitudes e medidas concretas.
Há outros, tantos outros que foram e são sinais desse Reino. Penso em Teresa de Lisieux cujo centenário da morte acabamos de celebrar. Sua vida tornou-se cada vez mais sinal do Reino à medida que desapareceu como utopia. Penso em  Teresa de Calcutá cuja vida foi uma parábola do Reino dos Céus. Penso no bispo Romero que à sua maneira foi sinal do Reino. Lembro-me com gratidão do acontecimento Medellín. Com seus placet e non placet foi outro tipo de sinal da presença do Reino.    

*Dom Frei Vital Wilderink, O Carm, foi vítima de um acidente de automóvel quando retornava para o Eremitério, “Fonte de Elias”, no alto do Rio das Pedras, nas montanhas de Lídice, distrito do município de Rio Claro, no estado do Rio de Janeiro. O acidente ocorreu no dia 11 de junho de 2014. O sepultamento foi na cidade de Itaguaí/RJ, no dia 12, na Catedral de São Francisco Xavier, Diocese esta onde ele foi o primeiro Bispo.

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