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terça-feira, 15 de julho de 2014

A Mariologia Carmelitana (2ª Parte): A Consagração e o Escapulário.

Frei Christopher O’Donnell, O. Carm.

O Escapulário é uma forma significativa da devoção mariana. Mas deveríamos também aprofundar nossa apreciação do Escapulário dentro do contexto da valiosa reflexão teológica moderna dando-nos o significado da consagração.
No século XX a noção de consagração dos indivíduos e do mundo à Maria aparece em primeiro plano. A exigência feita por Maria em Fátima, de que o mundo fosse consagrado ao seu Imaculado Coração, não é a razão menos importante. Algumas pessoas na Igreja podem ver que os bispos, mesmo os papas, não consideraram este pedido com a seriedade suficiente. No entanto, devemos ser cuidadosos com todas as aparições: mesmo quando são oficialmente sancionadas de acordo com a lei da Igreja, as comunicações que chegam a nós nas aparições devem estar sempre sujeitas ao mais cuidadoso exame teológico. A razão para isto não está em ver os teólogos como juizes das afirmações de Maria, mas as comunicações da Virgem, quase invariavelmente aos pobres, aos simples ou às crianças, podem sofrer a distorção da linguagem humana – tanto em sua compreensão, quanto em sua tradução – e das limitações culturais do tempo e do lugar da aparição.
Respondendo esta crítica aos papas, podemos apontar para uma série de atos papais de consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria desde o tempo de Pio XII. João Paulo II convidou os bispos a se unirem a ele num ato de confiança em Maria, em 25 de março de 1984.
Muitos teólogos concordam que, em seu sentido pleno, a consagração é um importante e sublime ato de culto. Latria ou adoração, é um ato que se deve apenas a Deus. Além disso, a consagração radical é um ato de Deus em nós pela graça e pelos sacramentos. Nossos atos de consagração são apenas uma resposta ao que Deus já faz em nós basicamente desde o batismo. Mas existe também um entendimento de que pode haver uma consagração analógica à Maria, ou seja, uma consagração que não termina nela, mas que é uma consagração a Deus através dela. A consagração a Maria pode se vista como um reconhecimento de todas as implicações de sua maternidade.
Existem escritos teológicos sobre a possível distinção entre a consagração à Maria e a confiança em Maria. Alguns autores sustentam que os termos “consagração” e “confiança” são idênticos. Outros afirmam que existe uma relação entre eles e que o termo consagração deveria ser evitado por causa de sua ambigüidade – um ato, propriamente falando, que pertence a Deus, mas aplicado analogicamente à Maria.   Além disso, podemos notar o forte cristocentrismo no ato de confiança de 1984 feito por João Paulo II.   Talvez seja notável que num congresso convocado em Manila em 1988 para renovar a consagração das Filipinas, a cerimônia tenha sido realizada em duas partes: um ato de consagração a Deus e um ato de confiança em Maria.
Quando falamos de consagração mariana, devemos pensar em primeiro lugar na própria Maria como a pessoa que mais se consagrou a Deus: “Maria é, acima de tudo, o modelo e o protótipo da consagração da qual não apenas a Igreja, mas cada cristão, é convidado a partilhar”.   Como ela é a Mãe que intercede, é natural que nos confiemos a ela. Como ela é um exemplo, ela define nossa resposta a Deus, através do discipulado de seu Filho. Já que é nossa Mãe e uma presença permanente em nossas vidas, estamos certos ao nos comprometermos com o seu zelo.
Estas reflexões teológicas modernas sobre a consagração podem nos ajudar a enriquecer nossa apreciação do Escapulário como um símbolo que expressa nossa confiança em Maria. Elas também podem nos ajudar a descobrirmos a melhor maneira de apresentarmos a devoção ao Escapulário nos dias de hoje.

Conclusão
Podemos ver que a revitalização de nossa herança mariana carmelitana envolve uma interação criativa entre suas riquezas e os desenvolvimentos modernos da mariologia na Igreja. Devemos ser criativos. Não é suficiente acrescentarmos algo da teologia moderna aqui e acolá nos textos clássicos. Nem tudo que vem sendo dito sobre Maria hoje será, necessariamente, incorporado à mariologia carmelitana. Nossa visão de Maria será sempre parcial. Muitas descobertas profundas sobre a Virgem serão desenvolvidas por outros. Mas devemos nos manter em diálogo com a atual orientação do Espírito sobre o mistério da pessoa e do papel de Maria. Ao fazermos isso, aprenderemos gradualmente, como Ordem, o que deveríamos incorporar à nossa tradição. Certamente assumiremos alguns temas que nossos sucessores não receberão – no sentido técnico de possuir e de encontrar plenamente a vida doadora.   Nunca haverá uma abordagem definitiva do carisma mariano carmelitano. Como uma realidade viva, continuamente inflamada e apoiada pelo Espírito, ela crescerá e se desenvolverá, apesar dos tempos de declínio e abandono. É um desafio para cada época aceitar a tradição que for transmitida, desenvolvê-la no coração da Igreja e, por sua vez, enriquecê-la pensando nas gerações futuras.
Temos uma maravilhosa herança mariana. Este dom à Ordem deve ser apropriado pessoalmente além de ser partilhado com as outras pessoas. É necessário sermos, de imediato, tradicionais e criativos, ao vivermos e partilharmos este carisma. O último capítulo lembra que devemos buscar integrar nossa tradição mariana com a consciência mariológica mais ampla da Igreja. Mas isto não pode ser apenas um estudo teórico.
No nível pessoal, devemos conhecer Maria como pessoa, apreciar sua presença em nossas vidas, conhecer seu cuidado para conosco. Sem oração ou reflexão, estas experiências nunca serão doadoras de vida para nós. O modo pelo qual a Ordem é convidada hoje à reflexão e à contemplação está na redescoberta da lectio divina. Este modo de rezar os textos espirituais sobre Maria também é válido para nossos textos clássicos, ao buscarmos responder a eles nas situações de nossas vidas. Também existe uma necessidade de cultivar uma vida devocional adequada à condição e ao temperamento de cada indivíduo. A qualquer hora as pessoas podem não se sentir chamadas a práticas tradicionais particulares. Um valioso exemplo foi dado por Paulo VI quando defendeu exercícios de piedade que se inspiram no Rosário.
Duas recentes apresentações de nossa tradição são bons exemplos destas tentativas de integrar estudos recentes, especialmente bíblicos, com a nossa tradição. Em 1986 uma Comissão Mariana da Ordem divulgou uma Comunicação Provisória.   Ela se concentrou nas imagens tradicionais de Maria usadas na Ordem e mostrou sua importância contemporânea. Ela também aprofundou a noção de consagração e do Escapulário hoje. A segunda contribuição foi a Carta de Fr. John Malley, Prior Geral, para o Ano Mariano em 1988.   Esta carta é uma apresentação bíblica de Maria com fortes evocações de nossa tradição. O novo elemento trazido por ela foi o foco explícito na relevância contemporânea resumida em três pontos:
-conhecer melhor Maria:
-amar mais Maria
-imitar fielmente Maria.
É interessante que estes dois documentos, assim como a carta de Fr. Falco Thuis de 1983 vista no capítulo 6, remetem e mencionam a Miguel de Santo Agostinho. Não seria audácia minha sugerir que estamos sendo convidados a olhar novamente para este personagem negligenciado de nossa tradição. Certamente, ele seria um valioso antídoto, além de um questionamento, para esta erupção de aparições, onde apenas algumas delas parecem ser genuínas. Nossos místicos carmelitanos sempre sustentaram uma visão unificada, Maria e Jesus, sem qualquer confusão, sem uma ênfase infundada apenas sobre Maria. Ela sempre guia Jesus que, por sua vez, encontra-se com ela.
Uma renovação será sempre um diálogo entre nossa herança passada e nosso mundo contemporâneo. Existe a necessidade de um estudo mais amplo de nossos autores carmelitanos. Apesar de podermos apenas acolher as publicações recentes dos textos marianos em várias línguas, muito ainda precisa ser feito. Outros textos devem ser estudados e traduzidos, e membros da Ordem, especialmente aqueles envolvidos na formação, precisam estudar as publicações existentes e futuras.
Temos de ser criativos quando buscamos maneiras de construirmos elos psicológicos e espirituais com a Virgem. Talvez seja cedo para fazer um julgamento justo ou firme, mas pode ser que no período depois do Vaticano II tenha havido uma poda excessiva das práticas e das devoções marianas. Nossa herança mariana precisa ser expressa na teologia, nos símbolos, na arte, na poesia, na devoção, nas práticas apropriadas, adequadas aos membros da Ordem, e na atividade pastoral. Apenas o escrito teológico não garantirá o dinamismo de uma vida mariana.
No nível comunitário, existe a necessidade de algumas expressões de nossa vida mariana. Celebrações litúrgicas em honra da Mãe do Carmelo são obviamente as mais importantes. Mas também existem outras possibilidades tais como os grupos de oração, especialmente para a lectio divina. O que devemos buscar é um desenvolvimento da consciência mariana de toda a comunidade, de modo que uma parte essencial de sua identidade e de seu trabalho deixem transparecer sua atitude e seu colorido mariano. Na prática, também seria bom escolher uma oração ou ação que resumirá e enfocará cada impulso mariano na comunidade.
Nas atividades pastorais certamente existem muitas possibilidades: celebração de festas, pregação, palestras, catecumenato de adultos, grupos de oração, círculos bíblicos, lectio divina, meios de comunicação e escritos, tanto populares quanto científicos. Nestes níveis de missão individual, comunitária e de nossa missão apostólica o que é importante não é quantidade, mas a qualidade de nossas expressões marianas.
No entanto, numa Ordem pluriforme, onde mesmo numa área geográfica pode existir uma necessidade de diferentes abordagens, podemos aprender continuamente com o que está acontecendo com a Ordem nos diferentes lugares. Novamente, num tempo de renovação, nem tudo que deveria ou poderia ser tentado terá sucesso. Existe a necessidade não apenas da criatividade, mas também da paciência e do maduro discernimento. Também existe a necessidade de rezarmos para o Espírito Santo, para que possamos ser instruídos como adotar e servir o dom mariano que recebemos. Tudo o que nos foi confiado como uma herança, deve ser guardado e animado, para entregarmos à Igreja.
Em toda esta tentativa de conhecer e amar a Bem-aventurada Mãe e torná-la mais conhecida e amada, podemos ter certeza de sua presença gentil e constante. Ela é aquela que sempre esteve com a Ordem em todas as suas vicissitudes. Seu dom ao Carmelo foi ser sua “Mãe e Ornamento” e uma “Presença Amorosa”.

Lectio Divina

            Para a lectio divina hoje vamos assumir aquele que é provavelmente o texto central da mariologia moderna: Lc 1,26-38 descrevendo a Anunciação. Vamos orar a Anunciação. Junto com ele poderíamos usar o texto que os carmelitas usam freqüentemente na liturgia: JO 19,25-27. Unidos eles podem abrir nossos corações para nossas tradições mais profundas e para o que o Espírito está dizendo às Igrejas.

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