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quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

ORAÇÃO E MEDITAÇÃO: Na força da Cruz.

Edith Stein
 
Será que é impossível dispor de urna horinha de manhã, na qual sem distração se recolhe, na qual, sem consumir-se, procura-se ganhar força para passar o dia inteiro? Sim, exige-se mais do que uma hora. Deve-se viver de uma tal hora para outra de um jeito em que se possa retomar. Não há mais possibilidade para um caminhar sem objetivo, nem por tempo limitado. Não podemos nos esquivar do juízo daqueles com quem nos relacionamos diariamente. Mesmo que nenhuma palavra seja trocada, percebemos a atitude dos outros para conosco. Tentaremos acomodar-nos ao ambiente e, quando isto não é possível, a convivência torna-se então um martírio. Desta forma, sentimos também a convivência diária com o Senhor! A sensibilidade torna-se cada vez mais aguçante para aquilo que Lhe agrada ou não. Se antes eu me encontrava mais ou menos satisfeito comigo mesmo, a situação agora muda. Acha-se tanto o que é mau, e procura-se mudar na medida do possível. Descobre-se algo que se pode achar feio e ruim e também a dificuldade em mudar. Aí então, pouco a pouco, ficamos muito pequenos e humildes, pacientes e indulgentes contra os ciscos em olhos alheios, porque ainda temos muito trabalho com a trave no nosso próprio olho. Aprendemos finalmente também a suportar-nos a nós mesmos na luz inexorável da presença divina e a entregar-nos à misericórdia divina, que poderá sanar tudo isso, que é tão impossível para nossas forças.
Pode-se mostrar ainda como o domingo deveria ser uma porta larga, pela qual pudesse entrar vida eterna para os dias da semana e força para o trabalho da semana inteira, e como as grandes festas, os tempos de festas e tempos de jejum, vivenciados no espírito da Igreja, fazem amadurecer o homem de ano para ano mais e mais para a eterna paz do Sabbat. Será tarefa essencial de cada um de nós refletir como planejar o decurso do dia e do ano, conforme dotes e estilo de vida de cada um de nós, para preparar os caminhos do Senhor. A distribuição externa deverá ser diferente para cada um e no decorrer dos anos deverá acomodar-se elasticamente à variedade das situações. Também a situação íntima da alma vária na diversidade das pessoas. Os meios ideais para estar em sintonia com o Eterno, para ficar atento ou também para renovar-se — como meditação, leitura espiritual participação litúrgica, devoções populares, etc. — não são todos igualmente de proveito para cada um e em todas as fases e épocas. A meditação, por exemplo, não pode ser exercida por todos e sempre de maneira igual. É importante encontrar, no entanto, o mais eficaz e dele tirar proveito.

Existem, evidentemente, dois caminhos para a união plena com Deus e com isso para a perfeição do amor: um subir penoso, feito alpinista, por esforço próprio, logicamente com a ajuda divina da graça, e “um ser carregado para o alto, que requer muito estorço próprio, cuja preparação e conseqüência íntima exigem, no entanto, enormes esforços da vontade própria.

Na infância da vida espiritual, quando iniciamos entregar nos à direção de Deus, aí sentimos a mão que guia bem forte e firme. Claro como o sol, está diante de nós o que devemos fazer ou deixar de fazer. Más isto não fica sempre assim. Quem pertence a Cristo, deve viver total e inteiramente a vida de Cristo. Ele deve crescer na maturidade de Cristo e também galgar o caminho da cruz, indo por Getsêmani e Gólgota. E todos os sofrimentos vindos de fora não são nada em comparação com a noite escura da alma, quando a luz divina não mais ilumina e a voz do Senhor já não fala mais. Deus está aí, mas Ele está escondido e fica em silêncio.

E um caminho longo de auto-satisfação de um “bom católico” que “cumpre seus deveres”, lê um “bom jornal”, “vota corretamente”, etc., mas de resto faz o que lhe agrada, até uma vida na mão divina e pela mão divina, na simplicidade da criança e na humildade do cobrador de ônibus. Mas quem percorreu uma vez esse caminho, não dá mais um passo para trás.

Por natureza, nosso interior é plenificado por muitas maneiras. Tanto é que um fato sempre reprime o outro e o mantém em constante movimento, muitas vezes em tempestade e tumulto. Quando pela manhã acordamos, deveres e preocupações do dia já nos querem cercar (caso já não tiverem atrapalhado a tranqüilidade do sono da noite). Aí aparece a inquietante pergunta: Como poderei vencer isso tudo num só dia? Quando poderei fazer isto. quando aquilo? E como poderei resolver isto, como aquilo? A gente gostaria de agitar e começar tempestivamente. Mas significa que devemos tomar as rédeas na mão e dizer: Devagar! Em primeiro lugar, agora nada deverá perturbar-me. Minha primeira hora matutina pertence ao Senhor. “Quero iniciar o trabalho do dia-a-dia que ele me manda fazer. E Ele me dará a força paia executá-lo. Assim desejo caminhar para o altar de Deus. Ali não se trata de minhas pequenas preocupações, mas sim, do grande sacrifício de reconciliação.

Agora começa o trabalho do dia: talvez servir na escola quatro ou cinco horas, uma atrás da outra. Significa estar atento e presente ao que se está fazendo, pois cada hora tem sua tarefa diferente. Nessa ou naquela hora (escolar) não se consegue o que se queria, talvez em nenhuma. Cansaço próprio, interrupções imprevistas, algo do que as crianças não entendem, alguns dissabores, algo revoltante, algo angustiante.

Ou serviço burocrático: relacionamento com propostos e colegas desagradáveis, exigências não satisfeitas, censuras injustas, miséria humana, talvez necessidades várias. Vem a hora do almoço. Chega-se em casa exausto e cansado e esperam-se eventualmente novas improcedências. Onde está agora a renovação da alma, vivida na manhã? De novo queremos ferver e estourar; indignação, aborrecimento, arrependimento. E tanto ainda por fazer até a noite: Não devemos ir logo adiante? Não, enquanto não tiver encontrado novamente por um momento a serenidade e a paz. WS 47f

Quando o intelecto alcança o seu máximo, ele chega aos seus próprios limites. Ele tenta encontrar a verdade mais sublime e última, e descobre que todos os nossos conhecimentos são apenas fragmentos. Então, quebra-se o orgulho e enxergamos duas coisas; ou ele cai no desespero ou coloca-se em humildade e temor diante da verdade impenetrável e recebe, humildemente na fé, o que não pode ser conquistado pela” atividade natural do intelecto. Então o intelecto chega, na luz da verdade divina, à correia sintonia para com seu próprio intelecto. Ele enxerga que as verdades mais sublimes e últimas não podem ser desvendadas por intelecto humano e que nas questões mais essenciais, e por isso na forma e comportamento da vida prática, uma simples criança pode estar em situação superior ao maior sábio pela iluminação mais sublime. Por outro lado, ele reconhece a esfera legítima da atividade intelectual natural e cumpre aqui seu trabalho, como o agricultor lavra seu campo, como algo que é bom e útil, mas que é cercado por limites estreitos como toda e qualquer obra humana.

Quem chegar a tal ponto, não olhará mais as pessoas “de cima para baixo”. Ele terá aquele sentimento humano simples e natural, a profunda modéstia sem hipocrisia, que atravessa todas as barreiras livre e desimpedidamente. Ele poderá falar sem medo sua linguagem intelectual em meio do povo, porque lhe é tão natural como a do povo e porque ele manifestadamente não o sobreestima. E ele poderá seguir seus problemas intelectuais, porque faz parte de seu ambiente natural. Ele usará o seu intelecto da mesma forma que o carpinteiro — mão e plaina — e, quando puder ser útil aos outros com seu trabalho, estará sempre pronto para ajudar. E, como todo trabalho honesto, que é feito pela vontade divina e para glória de Deus, também esse pode ser um instrumento de santificação. Assim me imagino Santo Tomás de Aquino: um homem que tinha recebido de Deus como seu tesouro um extraordinário intelecto para com ele pulular; que caminhara silenciosamente e sem exigências o seu caminho e se aprofundara nos seus problemas enquanto o deixava em paz; sempre pronto a quebrar a cabeça, dando as devidas informações, quando lhe faziam perguntas difíceis. Assim ele se toma um dos maiores guias, justamente porque não desejara.

Cada um deve conhecer a si mesmo para saber onde e como poderá encontrar a serenidade e a paz. O melhor é jogar todas as preocupações, por curto tempo, diante do Santíssimo, frente ao Sacrário, para quem não é possível, para quem é necessário talvez um repouso corporal, uma pausa em seu próprio quarto. E quando não há possibilidade para um repouso exterior, porque não existe lugar para onde se retirar, quando deveres irrecusáveis impedem a hora silenciosa, pelo menos fecharemos o nosso interior por um momento contra todo resto e nos refugiaremos no Senhor. Ele está aí e nos oferece nesse único momento aquilo de que precisamos. Assim continuará o resto do dia, talvez com muito cansaço e labuta, mas tranqüilo e em paz. E, quando a noite vier e mostrar o retrospecto de que tudo só fora algo em pedaços e muita coisa ficou para fazer do que se pretendia, e (anta coisa nos chama para a vergonha e arrependimento, então, tudo aceitar como é: colocar nas mãos de Deus e entregar-Lho. Assim se poderá repousar nEle, descansar de verdade e começar o novo dia como uma nova vida.

Ninguém penetrou de uma tal forma nas profundezas da alma como aquelas pessoas que abraçam o mundo com um coração cheio de calor e então, libertadas, pela mão forte de Deus, de todo laço externo, foram atraídas para o próprio íntimo é interior. Ao lado de Teresa de Ávila está aqui, em primeiro lugar, Santo Agostinho que com ela se parece profundamente e por isso tanto a influenciou. Para estes mestres do auto-conhecimento e auto-apresentação iluminaram-se as misteriosas profundezas da alma: não somente os fenômenos, a movimentada superfície da vida da alma constituíram o inegável fato experimentar, mas também as forças, que ativam conscientemente a vida da alma e, finalmente, até a essência de Deus.

O caminho para a vida interior é Cristo. Seu sangue é a cortina, pela qual entramos no santíssimo da divina vida. No batismo e no sacramento da penitência Ele nos purifica do pecado, abre-nos os olhos para a luz eterna, torna atentos os ouvidos para colher a palavra divina e os lábios para o louvor, oração de expiação, pedido e agradecimento - todas formas diferentes de adoração; isto é, a criatura presta homenagem diante do Onipotente e do infinitamente Bondoso. No sacramento do crisma, Ele confirma e fortifica o militante de Cristo para a franca e corajosa confissão. Antes de tudo, no entanto, é o sacramento no qual o próprio Cristo está presente e nos torna membros de seu corpo. Compartilhando o sacrifício e a cela, alimentados pela carne e sangue de Jesus, nós mesmos nos tornamos sua própria carne e seu próprio sangue. Na medida em que somos membros de seu corpo, pode animar-nos o espírito de Jesus e em nós reinar.

No diálogo silencioso de pessoas consagradas a Deus antecipam-se os acontecimentos visíveis da história da igreja, os quais renovam a face da terra. A Virgem, que conservava cada palavra em seu coração, é exemplo das pessoas que escutam e nas quais o coração sacerdotal de Jesus se repete sempre de novo. Mulheres, que se esqueciam de si mesmas na imitação da vida e sofrimento de Cristo, o Senhor as escolhia de preferência como instrumento para grandes obras na Igreja: uma Santa Brígida, Catarina de Sena e Santa Teresa, a grande reformadora de sua ordem em tempo de grande perda da fé, a qual, querendo ajudar a Igreja, via como meio eficaz para tal a verdadeira renovação da vida interior.

O ponto central da alma é o lugar de onde se escuta a voz da consciência, é o lugar da livre decisão pessoal. Porque a entrega livre e pessoal é assim e porque é essencial para a união amorosa com Deus, por isso o lugar da decisão livre deve ser ao mesmo tempo o lugar da união livre com Deus. Daí se entende também por que Teresa de Ávila vê na entrega da vontade ao Divino o mais fundamental para a união com Ele: a entrega de nossa vontade é o que Deus exige de todos nós e é o que podemos produzir. Ela é a medida de santidade. Ao mesmo tempo, ela é a condição para a união mística, sobre a qual não temos poder, mas é graça pura e livre de Deus. Por isso temos também a possibilidade de fazer da nossa alma o ponto central, de formar a si mesmo e sua vida, sem ter também recebido especificamente a graça da mística.

Dentro da Igreja existem experiências comunitárias de formas variadas: devoção, entusiasmo, obras de misericórdia, etc., mas a Igreja não deve a todos eles sua existência. E sim, que cada um de modo singular situa-se diante de Deus na força contrária ou unida da liberdade divina e humana, em que lhe é dada a força de estar ao lado de todos. E esse “cada um por todos e todos por um” faz com que a Igreja seja Igreja. Quanto mais alguém é plenificado pelo amor divino, tanto mais ele estará capacitado a entrar em substituição de cada um.

Na aridez e no vazio, a alma tornar-se-á humilde. O orgulho anterior desaparece, quando não se encontra mais nada dentro de si, que poderia ser motivo de olhar com certo desprezo para com os outros. Pelo contrário, agora os outros parecem-nos muito mais perfeitos. Amor e estima despertam o coração por eles. Estamos agora por demais preocupados com a nossa própria miséria para olharmos para os outros. Pelo desamparo e abandono, a alma torna-se submissa e obediente; ela anseia por aconselhamento para chegar ao caminho certo.

O espírito e voto quer dizer não somente o intelecto, mas também o coração está familiarizado por ocupar-se continuamente com Deus, ele O conhece e O ama. Esse conhecimento e amor fazem parte de seu ser, como o relacionamento de duas pessoas que convivem há longo tempo juntas intimamente familiarizadas. Tais pessoas não precisam mais de informações sobre a outra pessoa para se conhecerem mutuamente e convencerem-se de sua amabilidade. Quase não precisam trocar palavras. Cada nova convivência, no entanto, traz para elas um novo despertar e um crescimento de amor, talvez um conhecimento mais profundo de alguns traços novos. Mas isto acontece automaticamente, não precisando de maior esforço. Assim também é a convivência de uma alma com Deus, depois de longo exercício na vida espiritual. Ela não precisa mais de meditar, para conhecer a Deus e aprender a amá-Lo. O caminho já está muito atrás dela, pois ela repousa nEle. Assim que ela começa a orar, está em Deus e permanece, pela entrega amorosa, em sua presença. O silêncio da mesma Lhe agrada mais do que muitas palavras.

É graça, quando nos alcança o anúncio da fé, a divina verdade revelada. E graça, que nos oferece a força para colher o anúncio da fé — mesmo que seja exigida de nós a decisão livre — e com isso crescer na fé. Sem a ajuda da graça não existe oração e não é possível meditação. Mesmo assim, exige-se a nossa liberdade e opera-se com a ajuda de nossas próprias forças. Depende também de nós, se de que maneira e quanto tempo demoramos em oração.

A poderosa realidade do mundo natural e de graças sobrenaturais deve ser movida por meio de uma realidade mais poderosa ainda. Isto acontece na noite passiva (da alma), pois sem ela a ativa nunca poderia chegar à meta. A mão forte do Deus vivo deve interferir para soltar a alma dos laços de tudo que foi criado e para atraí-la a si. Esse intervir é a escura e mística contemplação, ligada à privação de tudo aquilo que até agora fora luz, sustento e consolo.

A alma se entrega a Deus para operar nela aquilo que Ele deseja com tais comunicações sobrenaturais. Assim mesmo, permanecerá na escuridão da fé, porque ela não somente aprendeu mas experimentou que tudo isto não é Deus, que ela, no entanto, possui tudo na fé o que lhe é preciso: o próprio Cristo, que é eterna sabedoria, e nEle o Deus incompreensível. Ela estará pronta para tal renúncia e perseverança na fé tanto mais quanto estiver purificada pela noite escura.

Porque o intelecto natural não pode compreender a luz divina, deve o mesmo ser guiado pela contemplação na escuridão.

Por isso, a alma pode considerar a aridez e a escuridão quais sinais felizes: sinais que Deus está operando nela, libertando-a de si; Ele tira das mãos suas forças da alma. Certamente ela poderia ter trabalhado muito com isso, mas jamais tão perfeita, segura e firmemente como agora, quando Deus a tomou na mão. Ele a guia como a um cego por caminhos escuros sem e/a saber onde e para onde - por caminhos que e/a mesma no caminhar mais feliz com o uso de seus próprios olhos e pés Jamais poderia ter encontrado. Com isso ela progride muito, sem poder ainda imaginar a si mesma, pois se encontra na convicção de estar perdida.

Já se tem pronunciado o pensamento de que os sofrimentos da “noite escura” participam do sofrimento de Cristo, em especial do sofrimento mais profundo: o abandono de Deus. “O canto espiritual” (de São João da Cruz) deu sua impressionante confirmação, porque aqui o desejo ardente pelo Deus escondido é o sofrimento que domina integralmente o caminho místico. Nem mesmo acaba na beatitude de união dos noivos; até aumenta com o crescimento do conhecimento e do amor divinos, porque com os mesmos pressentimos cada vez maiores o que a clara contemplação de Deus na glória nos poderá trazer.

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