Guy Debord
Guy Debord –
(Paris, 28 de dezembro de
1931 — 30 de novembro de 1994) foi um escritor francês. Foi um dos pensadores
da Internacional Situacionista (movimento internacional de cunho político e
artístico no final da década de 60 e aspirava por grandes transformações políticas
e sociais )e da Internacional Letrista e seus textos foram a base das
manifestações do Maio de 68.( uma greve geral que aconteceu na França. uma
escalada do conflito que culminou numa greve geral de estudantes e em greves
com ocupações de fábricas em toda a França, às quais aderiram dez milhões de
trabalhadores, aproximadamente dois terços dos trabalhadores franceses.)
A Sociedade do Espetáculo é o
trabalho mais conhecido de Guy Debord. Em termos gerais, as teorias de Debord
atribuem a debilidade espiritual, tanto das esferas públicas quanto da privada,
a forças econômicas que dominaram a Europa após a modernização decorrente do
final da segunda grande guerra.
A separação acabada
E sem dúvida o nosso tempo...
prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a
aparência ao ser.... (Feuerbach, prefácio à segunda edição de A essência do
cristianismo.)
1- Toda a vida das sociedades
nas quais reinam as condições modernas de produção se anuncia como uma imensa
acumulação de espetáculos. Tudo o que era diretamente vivido se afastou numa
representação.
2 - As imagens que se
desligaram de cada aspecto da vida fundem-se num curso comum, onde a unidade
desta vida já não pode ser restabelecida. O espetáculo em geral, como inversão
concreta da vida, é o movimento autônomo do não-vivo.
3 - O espetáculo apresenta-se
ao mesmo tempo como a própria sociedade, como uma parte da sociedade, e como
instrumento de unificação. Enquanto parte da sociedade, ele é expressamente o
setor que concentra todo o olhar e toda a consciência.
4 -O espetáculo não é um
conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens.
5 - O espetáculo não pode ser
compreendido como o abuso de um mundo da visão, o produto das técnicas de
difusão massiva de imagens. Ele é bem mais uma visão do mundo que se objetivou.
6 - O espetáculo,
compreendido na sua totalidade, é ao mesmo tempo o resultado e o projeto do
modo de produção existente. Ele não é um suplemento ao mundo real, a sua
decoração readicionada. É o coração da irrealidade da sociedade real. Sob todas
as suas formas particulares, informação ou propaganda, publicidade ou consumo
direto de divertimentos, o espetáculo constitui o modelo presente da vida
socialmente dominante. Ele é a afirmação onipresente da escolha já feita na
produção, e o seu corolário o consumo.
7 - A própria separação faz
parte da unidade do mundo, da práxis social global que se cindiu em realidade e
imagem. A prática social, perante a qual se põe o espetáculo autônomo, é também
a totalidade real que contém o espetáculo.
8 - Não se pode opor
abstratamente o espetáculo e a atividade social efetiva; este desdobramento
está ele próprio desdobrado. Cada noção assim fixada não tem por fundamento
senão a sua passagem ao oposto: a realidade surge no espetáculo, e o espetáculo
é real. Esta alienação recíproca é a essência e o sustento da sociedade
existente.
9 - No mundo realmente
reinvertido, o verdadeiro é um momento do falso.
10 - O conceito de espetáculo
unifica e explica uma grande diversidade de fenômenos aparentes. As suas
diversidades e contrastes são as aparências desta aparência organizada
socialmente, que deve, ela própria, ser reconhecida na sua verdade geral.
Considerado segundo os seus próprios termos, o espetáculo é a afirmação da
aparência e a afirmação de toda a vida humana, isto é, social, como simples
aparência.
11 - Para descrever o
espetáculo, a sua formação, as suas funções e as forças que tendem para a sua
dissolução, é preciso distinguir artificialmente elementos inseparáveis. Mas o
espetáculo não é outra coisa senão o sentido da prática total de uma formação
socioeconômica, o seu emprego do tempo. É o momento histórico que nos contém.
12 - O espetáculo
apresenta-se como uma enorme positividade indiscutível e inacessível. Ele nada
mais diz senão que "o que aparece é bom, o que é bom aparece".
13 – O espetáculo é o sol que
não tem poente, no império da passividade moderna. Recobre toda a superfície do
mundo e banha-se indefinidamente na sua própria glória.
14 - A sociedade que repousa
sobre a indústria moderna não é fortuitamente ou superficialmente espetacular,
ela é fundamentalmente espetaculosa. No espetáculo, imagem da economia
reinante, o fim não é nada, o desenvolvimento é tudo. O espetáculo não quer chegar
a outra coisa senão a si próprio.
15 - Enquanto indispensável
adorno dos objetos hoje produzidos, enquanto exposição geral da racionalidade
do sistema, e enquanto setor econômico avançado que modela diretamente uma
multidão crescente de imagens-objetos, o espetáculo é a principal produção da
sociedade atual.
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6 - O espetáculo submete a
si os homens vivos, na medida em que a economia já os submeteu totalmente. Ele
não é nada mais do que a economia desenvolvendo-se para si própria. É o reflexo
fiel da produção das coisas.
17 - A primeira fase da
dominação da economia sobre a vida social levou, na definição de toda a
realização humana, a uma evidente degradação do ser em ter. A fase presente da
ocupação total da vida social pelos resultados acumulados da economia conduz a
um deslizar generalizado do ter em parecer, de que todo o "ter"
efetivo deve tirar o seu prestígio imediato e a sua função última. Ao mesmo
tempo, toda a realidade individual se tornou social, diretamente dependente do
poderio social, por ele moldada.
18 - Lá onde o mundo real se
converte em simples imagens, as simples imagens tornam-se seres reais e
motivações eficientes de um comportamento hipnótico. O espetáculo, como
tendência para fazer ver por diferentes mediações especializadas o mundo que já
não é diretamente apreensível, encontra normalmente na visão o sentido humano
privilegiado que noutras épocas foi o tato; o sentido mais abstrato, e o mais
mistificável, corresponde à abstração generalizada da sociedade atual.
19 - O espetáculo é o
herdeiro de toda a fraqueza do projeto filosófico ocidental, que foi uma
compreensão da atividade, dominada pelas categorias do ver; assim como se
baseia no incessante alargamento da racionalidade técnica precisa, proveniente
deste pensamento.
20 - A filosofia, enquanto
poder do pensamento separado, e pensamento do poder separado, nunca pode por si
própria superar a teologia. O espetáculo é a reconstrução material da ilusão
religiosa. A técnica espetacular não dissipou as nuvens religiosas onde os
homens tinham colocado os seus próprios poderes desligados de si: ela ligou-os
somente a uma base terrestre.
21 - À medida que a
necessidade se encontra socialmente sonhada, o sonho torna-se necessário. O
espetáculo é o mau sonho da sociedade moderna acorrentada, que finalmente não
exprime senão o seu desejo de dormir. O espetáculo é o guardião deste sono.
22 - O fato de o poder
prático da sociedade moderna se ter desligado de si próprio, e ter edificado
para si um império independente no espetáculo, não se pode explicar senão pelo
fato de esta prática poderosa continuar a ter falta de coesão, e permanecer em
contradição consigo própria.
23 - É a especialização do
poder, a mais velha especialização social, que está na raiz do espetáculo. O
espetáculo é, assim, uma atividade especializada que fala pelo conjunto das
outras. É a representação diplomática da sociedade hierárquica perante si
própria, onde qualquer outra palavra é banida. O mais moderno é também aí o
mais arcaico.
24 - O espetáculo é o
discurso ininterrupto que a ordem presente faz sobre si própria, o seu monólogo
elogioso. É o auto-retrato do poder na época da sua gestão totalitária das
condições de existência.
25 - O espetáculo moderno
exprime, pelo contrário, o que a sociedade pode fazer, mas nesta expressão o
permitido opõe-se absolutamente ao possível. O espetáculo é a conservação da
inconsciência na modificação prática das condições de existência. Ele é o seu
próprio produto, e ele próprio fez as suas regras: é um pseudo-sagrado. Toda a
comunidade e todo o sentido crítico se dissolveram ao longo deste movimento, no
qual as forças que puderam crescer, separando-se, ainda não se reencontraram.
26 - Com a separação
generalizada do trabalhador e do seu produto perde-se todo o ponto de vista
unitário sobre a atividade realizada, toda a comunicação pessoal direta entre
os produtores. Na senda do progresso da acumulação dos produtos separados, e da
concentração do processo produtivo, a unidade e a comunicação tornam-se o
atributo exclusivo da direção do sistema. O êxito do sistema econômico da
separação é a proletarização do mundo.
27 - Pelo próprio êxito da
produção separada enquanto produção do separado, a experiência fundamental
ligada nas sociedades primitivas a um trabalho principal está a deslocar-se, no
pólo do desenvolvimento do sistema, para o não-trabalho, a inatividade.
28 - O sistema econômico
fundado no isolamento é uma produção circular do isolamento. O isolamento funda
a técnica, e, em retorno, o processo técnico isola. Do automóvel à televisão,
todos os bens selecionados pelo sistema espetacular são também as suas armas
para o reforço constante das condições de isolamento das "multidões
solitárias".
29 - A origem do espetáculo é
a perda da unidade do mundo, e a expansão gigantesca do espetáculo moderno
exprime a totalidade desta perda: a abstração de todo o trabalho particular e a
abstração geral da produção do conjunto traduzem-se perfeitamente no
espetáculo, cujo modo de ser concreto é justamente a abstração.
30 - A alienação do espectador em proveito do
objeto contemplado (que é o resultado da sua própria atividade inconsciente)
exprime-se assim: quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita
reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos ele compreende a sua
própria existência e o seu próprio desejo.
31 - O trabalhador não se
produz a si próprio, ele produz um poder independente. O sucesso desta
produção, a sua abundância, regressa ao produtor como abundância da despossessão.
Todo o tempo e o espaço do seu mundo se lhe tornam estranhos com a acumulação
dos seus produtos alienados. O espetáculo é o mapa deste novo mundo, mapa que
recobre exatamente o seu território.
32 - O espetáculo na
sociedade corresponde a um fabrico concreto de alienação. A expansão econômica
é principalmente a expansão desta produção industrial precisa. O que cresce com
a economia, movendo-se para si própria, não pode ser senão a alienação que
estava justamente no seu núcleo original.
33 - O homem separado do seu
produto produz cada vez mais poderosamente todos os detalhes do seu mundo e,
assim, encontra-se cada vez mais separado do seu mundo. Quanto mais a sua vida
é agora seu produto, tanto mais ele está separado da sua vida.
34 - O espetáculo é o capital
a um tal grau de acumulação que se toma imagem.
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