*ESTHER SOLANO E RAFAEL ALCADIPANI
O
"black bloc" acontece nas ruas. Esta afirmação aparentemente
elementar nos motivou a sair de nossos cômodos ambientes universitários e ir
para a rua buscar compreender este complexo fenômeno social que tantos desafios
institucionais e tanta estupefação têm ocasionado na sociedade.
Nossa
rotina de pesquisa consiste em acompanhar muito de perto as manifestações,
observar, perguntar, conversar com pessoas que utilizam a tática "black
bloc", policiais e membros da imprensa.
Das
conversas que tivemos, e das observações que realizamos, ficou claro que para
estes jovens a violência simbólica funciona como uma forma de se expressar
socialmente, um elemento provocador que tem o intuito de captar a atenção de um
Estado percebido como totalmente ausente.
O
uso da violência simbólica também serve, na versão deles, para induzir a
sociedade a refletir sobre a necessidade de uma mudança sistêmica:
"protesto pacifico não adianta nada, só com violência que o governo
enxerga nossa revolta", "a intenção é transgredir, incomodar, deixar
visibilidade, chamar para um debate".
A
ação direita se faz contra símbolos de um sistema político-corporativo que eles
reconhecem como perverso.
Os
jovens que utilizam a tática "black bloc" dizem usar uma violência
teatral que chama a atenção para o que eles caracterizam como o verdadeiro
vandalismo. Tal vandalismo seria uma ordem das coisas que engole o cidadão numa
tirania continua.
Exemplos
de frases que retratam isso são: "a causa do 'black bloc' agir é o descaso
público. As pessoas estão sendo torturadas psicologicamente pelo
cotidiano", "não somos vândalos, vândalo é o Estado que deixa as
pessoas horas esperando na fila do SUS".
SUJEITOS POLÍTICOS
Estes
jovens com os quais viemos conversando em São Paulo estão na faixa etária entre
17 e 25 anos.
São
de classe média baixa, a maioria trabalha, alguns formados ou se formando em
universidades particulares, embora já dialogamos também com alguns alunos da
USP.
Alguns
acumulam leituras teóricas sobre anarquismo. A maioria deles consegue formular,
refletir e dialogar fluidamente sobre a precariedade do Estado e da situação
atual do Brasil. Pensam-se como sujeitos políticos com uma mensagem de melhoria
do país.
Todavia,
eles não formam uma organização homogênea. Já presenciamos discussões, durante
as manifestações, entre aqueles que são a favor de uma violência mais focada,
estritamente simbólica, e aqueles que defendem uma ação mais pesada.
Notamos
divergências entre aqueles que são contra agredir policiais porque, na sua
reflexão, o inimigo central é o Estado, e aqueles de cujas falas destila-se uma
raiva profunda contra a corporação policial. Uma frase que explica isso foi
dita uma vez por um jovem para quem "nem todo o mundo pensa igual embora
se vista igual".
FETICHE MIDIÁTICO
Um
dos aspectos que surge como central na nossa pesquisa é o papel da mídia neste
fenômeno. É muito simbólico ver a enorme quantidade de jornalistas que aparecem
nas ruas sempre que a tática é utilizada.
"Black
bloc" virou um fetiche, uma construção midiática. Notamos isso ao perceber
o quanto os órgãos de imprensa estão falando e escrevendo sobre o "black
bloc".
Enquanto
isso, pouco se fala a respeito das taxa de homicídios nas periferias ou o
número de mortes no trânsito. Tais violências se naturalizaram no cotidiano
brasileiro. O "black bloc" desmascarou esta lógica dual de tratar a
violência.
Talvez
o fenômeno mais preocupante até agora seja a polarização entre a Polícia
Militar e os defensores da tática.
O
Estado, guardião da propriedade pública e privada, guardião da ordem, emprega
uma ação policial cada vez mais dura e um aparato legal cada vez mais criminalizador.
A
consequência pode ser o aumento da presença da tática "black bloc"
nas ruas, num efeito de reação. Como eles nos dizem: "Quanto mais
repressão, mais revolta".
Uma
parte dos jovens com quem conversamos já foi detida durante as manifestações.
Cabe agora saber se eles continuarão saindo às ruas mesmo com a ameaça de
voltar para a delegacia, desta vez como reincidentes. E mesmo com a ameaça da
lei de associação criminosa.
A
pergunta essencial que cabe, como sociedade, é por que estes jovens, que desprezam
a rigidez hierárquica partidária, que não se sentem representados pelo atual
modelo político e econômico, enxergam a violência como única possibilidade de
expressão?
*ESTHER
SOLANO é professora de relações internacionais da Unifesp. RAFAEL ALCADIPANI é
professor de estudos organizacionais da FGV-EASP
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