Frei Gilvander Luís Moreira, O.Carm.
"Frei
Cláudio tem uma
história de compromisso com a luta pelos direitos humanos durante a ditadura
militar-civil-empresarial, pois, junto com outros frades, colocou a Igreja do Carmo como uma trincheira que oxigenava a
luta contra a ditadura. Por isso teve que responder Inquérito militar. Com essa
história, frei
Cláudio sempre
compreendeu minha luta ao lado dos movimentos sociais populares, pois sabe que
hoje uma ditadura econômica paira sobre a maioria do povo", escreve
em artigo Gilvander Luís Moreira,
frei e padre da Ordem dos carmelitas, assessor da Comissão Pastoral da Terra –
CPT, assessor do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos – CEBI, assessor do
Serviço de Animação Bíblica - SAB e da Via Campesina em Minas Gerais.
Eis o artigo.
Pelo frei Cláudio van Balen nutro uma eterna gratidão e o
considero um dos meus mestres. Tive a alegria e a responsabilidade de morar na
mesma comunidade junto com frei Cláudio e ao lado dele trabalhar na pastoral daIgreja
do Carmo, de Belo Horizonte, MG, durante dez anos, de junho de
2000 a junho de 2010.
Durante o meu mestrado em exegese Bíblica em Roma, Itália, fui muito
apoiado, através de cartas e etc, por muita gente do CEBI , da CPT , das CEBs e do MST de Minas Gerais, pois antes de ir para
Roma eu tinha trabalhado na assessoria do CEBI, CPT, CEBs e MST de Minas. Por isso eu sentia-me com a
missão de continuar a missão em Minas. Perguntei ao frei Cláudio se eu poderia
fazer parte da Comunidade do Carmo, após voltar de Roma. Ele, prontamente,
disse que sim. Fui vigário na Igreja do Carmo por 7,5 anos, auxiliando frei Cláudio na condução de uma evangelização
emancipatória na comunidade do Carmo, ao mesmo tempo em que assessorava as CEBs, CPT, CEBIe
o MST em Minas Gerais. Isso implicava que eu
tinha que viajar muito e ficar boa parte do meu tempo fora da Igreja do Carmo.
Frei Cláudio sempre se mostrou compreensivo diante de minhas “ausências”.
Aliás, sempre me apoiou e sempre me incentivou a continuar apoiando a luta dos
pobres que buscam seus direitos de forma organizada. Inclusive me disse algumas
vezes: “Se eu tivesse a sua idade – 30 anos mais jovem -, eu estaria como você
colocando fogo no mundo”.
Frei Cláudio tem uma história de compromisso com a
luta pelos direitos humanos durante a ditadura militar-civil-empresarial, pois,
junto com outros frades, colocou a Igreja
do Carmo como uma
trincheira que oxigenava a luta contra a ditadura. Por isso teve que responder Inquérito militar.
Com essa história, frei Cláudio sempre compreendeu minha luta ao lado
dos movimentos sociais populares, pois sabe que hoje uma ditadura econômica
paira sobre a maioria do povo.
Com frei Cláudio,
os momentos de almoço, de reuniões, de palestras, de correção de textos e
conversas informais eram sempre momentos de formação teológica na linha
libertadora. Eu sempre pedia ao frei Cláudio e ao saudosoEliseu
Lopes – grande
biblista do CEBI – para corrigirem os meus textos. Com
alegria eu acatava quase todas as sugestões de melhorias nos meus textos. E
frei Cláudio humildemente sempre pedia que eu
corrigisse os seus textos e aceitava quando eu sugeria mudar algumas
palavrinhas, em uma troca mútua de conhecimentos e experiências.
Durante 10 anos eu celebrei a missa na Comunidade da Vila
Acaba Mundo, comunidade da Igreja
do Carmo, aos domingos, às 09:00h da manhã. Eu voltava e fazia
questão de chegar a tempo de assistir a homilia do frei Cláudio na missa das
11:00h. Quanto aprendizado! Frei Cláudio,
assim como o profeta Oséias,
nos estimula sempre a fazermos autocrítica e não nos acomodar no jeito de
pensar e agir tradicionalmente Frei Cláudio é um exímio crítico do poder
religioso. Hoje, na sociedade capitalista – individualista, consumista e
mercantilizadora de tudo – para as igrejas e pessoas religiosas criticarem os
podres da política e da economia é menos difícil, mas criticar o poder
religioso e os funcionários do templo é muito complicado, é mexer em um
vespeiro. Mas frei Cláudio,
destemidamente, ajuda-nos a desmascarar as opressões veladas, sutis e, muitas
vezes, disfarçadas de propostas religiosas que aparentemente se dizem
humanizadoras, mas são na prática moralistas, doutrinadoras, proselitistas e
domesticadoras, infantilizando pessoas. Por isso vejo muitas semelhanças entre
frei Cláudio e Oséias,
o profeta das relações de amor e da anti-idolatria religiosa. Em ambos vejo uma
profecia que vai do miúdo da vida para o macro, do cotidiano para as questões
globais, mas revelando a interdependência e o entrelaçamento das várias
dimensões da vida humana e social. O profeta Oséias e frei Cláudio denunciam o poder opressor localizado
nas grandes instituições, mas também desvenda a microfísica do poder: todas as
relações interpessoais (sociais, etc) são permeadas de relações de poder. O
poder não está localizado somente nas grandes instituições, mas está presente
nas micro-relações. Estão permeadas de poder as relações homem-mulher,
adulto-criança, professora-estudante, governante-governados, branco-negro,
sadio-doente...
Com frei Cláudio aprendi muitas perspectivas teológicas
que inspiram minha atuação ao lado dos pobres na luta pelos seus sagrados
direitos. Aprendi, por exemplo, que nenhum dualismo é cristão e evangélico. O
divino está no humano. A luz e a força divina permeiam e perpassam todos e
tudo. O profano é o que existe de mais sagrado. Muitas orações transferem para Deus responsabilidades que são nossas. Que
a eucaristia não é prêmio para os puros, mas é alimento espiritual para todos e
que ninguém tem o direito de excluir ninguém da eucaristia. A primeira
eucaristia foi um jantar e certamente Jesus
de Nazaré não
excluiu nenhum dos que estavam na caminhada. Jesus veio para todos a partir dos
pecadores e dos doentes. Logo, todos devem se sentir convidados de honra para
participar da mesa da eucaristia. É terrorismo religioso excluir alguém da
eucaristia por questões morais, por ser divorciado/a, desquitado/a, homossexual
etc.
Mas, após 7,5 anos sendo auxiliar do frei Cláudio,
a pedido dele por se sentir cansado, com menos força física e também para que
ele tivesse mais liberdade para “fazer o que mais gosta”: escrever de forma
teológica para contribuir no processo de humanização das pessoas, eu aceitei
assumir a coordenação da Igreja do Carmo,
tornei-me pároco, o que fiz durante 2,5 anos. Diminuí muito minhas viagens e me
dediquei à coordenação do trabalho pastoral da Igreja do Carmo. Aprendi muito,
sofri muito e, sem querer, fui ocasião de sofrimento para muitas pessoas e
motivo de alegria para outras. Experimentei o desafio que é aliar lutas por
solidariedade, por promoção humana, com lutas por justiça. Alguns amigos/as de
frei Cláudio não compreenderam a nossa opção de
tentar unir as perspectivas do profeta Oséias,
o que frei Cláudio faz com muita destreza e sabedoria, com a perspectiva do
profeta Amós: luta por justiça social, o que eu tento fazer caminhando ao lado
dos pobres que lutam de forma organizada por terra, moradia digna, direitos
sociais etc. Assim, saí da Igreja do Carmo, mas sendo sempre grato ao frei
Cláudio e o reconhecendo como um dos meus mestres, bem como, diga-se de
passagem, também sou grato a muitas pessoas da Comunidade da Igreja do Carmo.
Frei Cláudio,
que beleza você celebrando 80 anos de vida e de muitas lutas! Obrigado por tudo
o que você me ensinou e tem ensinado a tanta gente.
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br
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