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sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Edith Stein: Experiência de Deus.

Frei Cláudio van Balen, O. Carm. Convento do Carmo, Belo Horizonte-MG.
       Terrível foi o sofrimento, antes, durante e depois dessa “caça às bruxas”. De depoimentos de sobreviventes,constou a experiência do estranho consolo lembrado nas palavras de Jeremias: “Assim como visitei esse povo com tão imensa calamidade, também sobre ele estenderei todo o bem que lhe reservo”. (Jer.32,42) Animados por uma fé milenar, muitos puderam viver o que sente alguém que, confiante no futuro, lavra seu testamento, sereno e de olhos abertos. Privados de tudo e até do último restinho a que se apegavam, puderam sentir-se liberados de toda preocupação para enfrentar a noite da vida. Se, na dura realidade, não havia voz que se pronunciasse, sempre havia, em dimensão de fé, um abraço amigo que por eles esperava. Até no limiar da morte, existia a possibilidade de enxergar  um rosto a emitir um sorriso. A lava, jogada pela montanha em erupção, contém e burila cristais de variado e riquíssimo valor.
Na vida de sofrimento extremo, há pontos de esmagadora depressão, mas esses abrem também espaço para momentos de elevado enlevo, em que sempre há quem, agarrado ao divino, permita que a realidade solte  um milagre. Em meio ao caos, banhado por lágrimas de perda e dor, surgiam anjos de guarda que criavam, misteriosamente, condições de vida perpassada por tênues fios de esperança. Se despedidas faziam o coração sangrar, havia encontros que fragilmente anunciavam o sentido do todo, malgrado tantos fragmentos a espelhar o absurdo de particularidades. Mas, em tais circunstâncias, Deus não existe de graça; ele é gerado pela correnteza da tradição, da qual se bebe; ele não é acolhido na solidão de indivíduos amargurados, mas na pertença a todo um povo que nele aposta, assim como o pulmão se abre ao ar. Deus pode aflorar melhor no coração daqueles que viram seu rosto na face sofrida de irmãos.
Os que se relacionavam com Deus, o que sintetiza o que há de mais nobre em si mesmos, conquistavam certa liberdade na mais cruel subjugação e superavam a morte na maior tragicidade; na descontinuidade, teciam o futuro pelo fio do passado que os envolvia com a força da compaixão, a ponto de conseguirem dançar sem pernas. Havia também os que, sem prática religiosa, eram confrontados com Deus que, mergulhado no silêncio, parecia não lhes estender a mão, manchada  por inútil onipotência. Antes tivessem de carregar sozinhos a cruz, pois a suposta presença de um poder insensível machucava mais que tudo. Esses encontravam defesa em uma artificial indiferença, como arma cruel que os defendia, até mesmo frente à morte de parentes próximos. Porém, uma pergunta, com sentimento de culpa, passou a persegui-los: por que sobreviveram e outros não? Também aqui haveria uma injustiça em ação?
O que, em relação a Deus e aos outros, irritou um bom número entre os sobreviventes foi a falta de ação, a omissão, a indiferença. Essa parece a crueldade máxima revestida de normalidade. “Não tenho nada a ver”; “ah, deixe para lá”; “eu não sabia de nada, nem desconfiava”, “só fiz o que me ordenavam”. Essa ausência de cidadania se mostrou berço da mais cruel ignomínia que desfigura, séculos a fio, nossa pobre humanidade. É preciso não se acomodar,  elevar a voz, reagir contra tudo o que ameaça a vida e desumaniza a convivência. Só esta solidariedade encoraja os humilhados para não deixar de lutar por seus direitos, sua dignidade. A percepção da ausência de Deus, na vida dos sobreviventes, tornou sua experiência mais amarga. Em sua tristeza, ficou mais difícil localizar sinais de solidariedade. E a pergunta se faz qual porta fechada: “Por que eu e outros não?” Esta pergunta os acompanhou em forma de tortura. É como se segurassem Deus pelo manto, a fim de que ele lhes respondesse. Seu silêncio os fez inconformados até o fim. Será que também, através dessa atitude, se aproximou mais um pouco o tempo messiânico da paz?

 

 

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