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segunda-feira, 1 de abril de 2013

É a política, Francisco!

“O caminho dos fatos ditará a direção que o novo pontificado vai seguir: se entrará em uma disputa pela conservação do povo em sua generalidade abstrata, consolidando os postulados conservadores da Igreja, ou se modificará seus fundamentos, apontando, a partir da ruptura do protocolo, para a parte que corresponde à Igreja, respondendo às necessidades religiosas das minorias e produzindo novas condições de governabilidade”. A análise é de Diego Ezequiel Litvinoff, em artigo publicado no jornal Página/12, 28-03-2013. A tradução é do Cepat.

Eis o artigo.

Uma vez superada a euforia e a emoção da posse, o Papa Francisco deverá administrar o Vaticano. Embora por suas características este governo se diferencie de seus pares europeus, suas situações de crise são similares. E não se trata unicamente de problemas econômicos, mas do que eles manifestam: uma verdadeira crise de governabilidade.
Em seu último livro editado na Argentina, Opus Dei. Arqueologia do ofício, Giorgio Agamben [a sair no Brasil na segunda quinzena de abril] assinala que a forma moderna de governo ocidental encontrou seu paradigma no esquema desenvolvido a partir da institucionalização da Igreja. A necessidade de formar um corpo permanente de sacerdotes se chocava com o caráter de comunidade carismática da Igreja primitiva, fundada sobre os princípios cristãos entendidos como acontecimentos. Para resolver esse dilema, os Padres da Igreja – remetendo-se a um marco conceitual que tem suas raízes em práticas públicas gregas e reflexões filosóficas estoicas – definiram a função sacerdotal com a palavra officium. Este termo indica uma tarefa que só se cumpre ao realizar os atos que lhe competem enquanto instrumento da economia divina, o que significa que “o sacerdote é aquele ente cujo ser é imediatamente uma tarefa e um serviço, isto é, uma liturgia” (p. 136).
A importância que Agamben outorga a este conceito está em que este funda, na história ocidental, uma nova ontologia. Diferenciando-se das ações definidas na Antiguidade, o officium refere-se a uma tarefa cujo único conteúdo é sua efetualidade, dado que o importante já não é “como é preciso ser para obrar”, mas que, pelo contrário, o que se coloca em jogo é “como é preciso obrar para ser”.
É essa ontologia que a modernidade tomou como paradigma e que funda a situação de governo que lhe é própria, constituindo-se assim o modelo de conduta de toda a instituição moderna, que “trata de distinguir o indivíduo da função que exerce, de modo a assegurar a validade dos atos que cumpre em nome da instituição” (p. 42). Mas é essa mesma ontologia, que chega à sua máxima expressão durante o neoliberalismo, que, segundo Agamben, está perdendo seu poder. Não é casual, então, que a crise de governo encontre na Igreja um de seus epicentros.
O novo Papa provém de um continente que deu respostas inovadoras a esta crise de governabilidade. Com líderes que se envolveram pessoalmente em sua atividade, revalorizando a político como reitora da economia, dando relevância à palavra e conteúdo aos gestos e deixando literalmente sua vida nela, a América Latina redefiniu a ontologia efetual. O poder político já não se concebe nestas terras como uma função que representa um país em sua totalidade. Intrincada em uma complexa luta de interesses, a política assume sua condição de parte, produzindo um espaço que deixa de ser o vazio a partir do qual se administra os recursos, para cumular-se de uma parcialidade. O sujeito que o ocupa deixa de ser um instrumento e coloca sua assinatura nele. Se o preço que paga por isso é ser um homem comum em circunstâncias excepcionais, esse homem comum, com nome e sobrenome, pode assumir a representação do povo, do qual nunca deixou de fazer parte, e que, longe de assumir uma totalidade abstrata, se define fracionando-se, a partir das diversas minorias.
Sendo uma das partes do conflito de poder na Argentina, não obstante, Bergoglio encontrou no discurso impessoal do acordo e na necessidade do diálogo uma arma para fazer valer os interesses de seu setor. À frente do Estado do Vaticano, diálogo e acordo solicitarão os que cometerem os crimes mais atrozes. Nesse mesmo sentido se pode entender a humildade e o culto à pobreza, que, sendo tão antigos quanto a religião, se assemelham àquilo que Angela Merkel propõe à Europa. Outros sinais, no entanto, permitem vislumbrar uma mudança, como o longo encontro que teve com Cristina e sua referência à América Latina como a Pátria Grande.
Quando Francisco, ao tomar posse, rompeu o protocolo e se aproximou de seus fiéis, não apenas transmitiu um sinal simbólico. Colocou em crise uma função que é 100% protocolar. O caminho dos fatos ditará a direção que o novo pontificado vai seguir: se entrará em uma disputa pela conservação do povo em sua generalidade abstrata, consolidando os postulados conservadores da Igreja, ou se modificará seus fundamentos, apontando, a partir da ruptura do protocolo, para a parte que corresponde à Igreja, respondendo às necessidades religiosas das minorias e produzindo novas condições de governabilidade.

Fonte: http://www.ihu.unisinos.b

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